“Apaixonei-me por aquele que era o exercício puro da música, a verdadeira satisfação deste mundo.” - Eduardo Beça

Eduardo Beça, de 38 anos, vive em Mirandela e caracteriza-se por ser um músico transmontano repleto de influências da diáspora lusófona e sonoridade ibérica, movido pela bossa nova, samba, jazz, bluesmúsica portuguesa e flamenco. 

©Eduardo Beça

Guitarrista versátil, explora as sonoridades das cordas de nylon, sempre na perspectiva de encontrar um novo passo a dar neste seu percurso. 

Já conta com o seu primeiro álbum “Cão de Bila” que saiu neste ano de 2024, tendo obras como “Eu Também Queria Ser”, “Paredes Meias” ou “Tua Ausência”. 

O carinho pela música vem desde cedo, onde trocou as consolas e jogos pelos CD’s e K7. Deu asas ao seu talento quando começou a praticar música na tuna académica, a Imperialis Serenatum Tunix, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. 

As duas viagens que fez pela Europa como artista de rua acompanham-no até hoje, considerando como um processo irreversível no que diz respeito ao exercício de música. O convívio com artistas de diversas nacionalidades e quantidade exorbitante de horas a tocar deram ao artista uma nova perspectiva daquilo que é alcançável com trabalho e inspiração.

Em 2010, mudou-se para o Brasil para a realização de um ano de estudo de Zootecnia na Universidade Federal de Santa Catarina, onde fez um "bacharelato sem carimbo" em roda de samba e chorinho.


Beatriz: A música sempre fez parte da tua vida desde a infância. Quais foram os artistas e gêneros que mais te influenciaram nesse período? 


A minha relação com a música tem tudo a ver com a relação dos meus pais com a liberdade de abril. 

Desde muito pequeno que tenho uma avidez muito grande pela música e pelos sons.

Eu sou de Mirandela e é onde passa o rio Tua, rio este lindíssimo e que me fez ter um contacto muito próximo com o som da água que o mesmo produz e até mesmo da natureza à volta, que sempre me fascinou. Tive momentos marcantes e impactantes na minha vida que me fizeram apaixonar pelo mundo musical, como por exemplo o dia de 25 de abril. A minha família sempre fez uma festa enorme, mais até que a festa do natal ou ano novo, isto porque as pessoas viveram esse dia na sua adolescência e eu próprio existo devido a isso mesmo. Então todos os anos ficaram marcados pelo festejo deste dia especial.

Lembro-me de um amigo próximo da altura que tinha umas cassetes incríveis, então passei muito do meu tempo no carro do pai dele a ouvir as mesmas, Zeca Afonso, Fausto ou José Mário Branco. Quando tinha cerca de 12 anos, houve também uma canção que me marcou bastante: “Break On Through”, dos The Doors. Esta música tirou-me do sério! 

Lá está, houve um conjunto de artistas que me impactou e me fez apaixonar pela música. Desde pequeno que a música me moveu.


Beatriz: Tiveste alguma influência familiar que se manifestaram nas tuas obras musicais? 


A minha mãe é da República do Congo e a minha avó é de Angola. Lembro-me de muitas ocasiões que passei na companhia delas a ouvi-las a cantar músicas que, na altura, eram diferentes do que se estava habituado a ouvir. Isto foi-me sempre fascinante, aliás a componente telúrica na minha música foi e é na base disso. 

Beatriz: Como foi a tua experiência de tocar guitarra na tuna académica Imperialis serenatum tunix? 

Quando entrei para a Universidade, comecei a tocar guitarra em diversos ambientes acadêmicos. Os primeiros passos foram dados em Coimbra onde ingressei na área de química, depois mudei-me para Vila Real onde decidi entrar em Engenharia Zootécnica, a verdade é que os animais sempre me cativaram e fascinaram desde sempre. 

Tirando isso, reconheço que era um clássico estudante português, a minha preocupação diária era saber se tinha o dinheiro suficiente para ir almoçar e, obviamente, ir a festas e aproveitar ao máximo o convívio que se vivia. 

Beatriz: Tiveste diversas experiências musicais em diferentes países, incluindo Brasil e Cabo Verde. Fala-nos um pouco sobre elas.
O Brasil acabou por ser a minha formação mais séria a nível musical, porque tive a oportunidade de estar próximo e aprender com o estilo de chorinho e samba. Um dos momentos mais impactantes foi a minha chegada ao Brasil, isto porque consegui realizar um intercâmbio do curso que estava a tirar aqui em Portugal. Tive muita sorte, porque ao lado da casa onde morei, havia um espaço onde se tocava noites cariocas, e eu não fiz mais nada senão num dia, tocar à campainha da porta e questionar o senhor que me recebeu. Percebi que afinal o espaço era um bar, uma casa repleta de música, mais precisamente samba e chorinho. Isto foi numa segunda feira, tomado por ser o dia de ensaio para o resto da semana. Eu não resisti ao convívio que se vivia ali e que se fazia ouvir pela rua, apaixonei-me por aquele que era o exercício puro da música, a verdadeira satisfação deste mundo. 

Acabei por passar muito do meu tempo aí, onde dei a conhecer as músicas de Portugal e a própria guitarra portuguesa. Aprendi tanto em relação à cultura brasileira nesse ano que vivi por lá. Nunca me vou esquecer do conforto que senti assim que cheguei lá, nunca me senti longe de casa, a língua tornou-se ainda mais especial para mim na altura, senti um privilégio por ser português. Um exemplo desse à vontade foi mesmo ter apanhado a altura do acordo ortográfico, que obviamente trazia diferenças significativas para a língua portuguesa, mas sempre me deram abertura para compreender essas mesmas diferenças, sem qualquer tipo de preconceito.

Foi um ano intenso da minha vida, cheguei a sonhar muitas das vezes sem saber se estava ou não em Portugal, acabou por ser uma experiência que me impactou imenso, então a nível musical nem se fala. 


Beatriz: Fizeste um "bacharelato sem carimbo" em roda de samba e chorinho. Fala-nos disso. 

Em 2016, regressei ao Brasil, mais especificamente para o Rio de Janeiro, onde entrei numa escola de chorinho, a primeira escola de música que frequentei. Esta instituição foi fundada pela Luciana Rabello e pelo Maurício Carrilho, pessoas que sempre admirei e têm um trabalho fenomenal, super humildes e afáveis. Fiz então o “bacharelato sem carimbo” na Escola Portátil de Música. Relembro estes anos pela acessibilidade e simplicidade de cada um deles. 

Beatriz: Que histórias ou experiências marcantes podias partilhar?

A viagem que fiz a Cabo Verde foi muito importante. 

Infelizmente perdi a minha avó recentemente, mas as últimas vezes ficaram marcadas pelas visitas que lhe fiz com a guitarra na mão. 

Então quando fui a Cabo Verde, fui com o intuito de encontrar África. Passei cada um desses dias a tocar. Normalmente frequentava um espaço onde havia música ao vivo todos os dias e, no final de cada concerto, as pessoas que quisessem podiam subir ao palco e tocar à vontade até às tantas.

Este tipo de lugares devia existir em todo o lado. É mandatório e tão importante para cada um de nós desfrutar da vida. Nunca vi ninguém que, no dia a seguir, fosse trabalhar chateado; acontece o oposto, a pessoa vai contente, com energia, em paz com ele mesmo.

©Eduardo Beça

Próximo
Próximo

“Quero que as nossas obras sejam como um abraço para quem as ouve.” - Gabrulo García