Live in a Box regressa a Faro

O Live in a box 2022 começa hoje, 14 de abril, estendendo-se até sábado, dia 16. Carles Dénia, Luca Argel, Sara Correia. Fogo Fogo, Cristina Branco e Carlão são os seis nomes que compõem o cartaz do evento que se realiza no Teatro das Figuras, em Faro.

Ao longo das próximas três noites, o lugar vivo que ocupa a música nas nossas vidas enquanto fonte de vínculos, é-nos reavido pelo Live in a Box que, pela primeira vez, troca o streaming - endógeno ao tempo de confinamento em que nasceu, por concertos ao vivo.


Esta noite de quinta-feira, 14, principia com os concertos de Carles Dénia e Luca Argel, os quais decorrem pelas 19h e 21h30, respetivamente.

Nascido na solarenga Gandia em 1971, Carles Dénia é guitarrista, cantor, compositor e arranjador, tendo a sua formação passado pelo Departamento de Jazz do Royal Conservatoire of the Hague (Holanda). Deste então, tem percorrido o mundo com várias formações e orquestras. A par disso, deu voz aos grupos Coetus e Spanish Brass.
Foi em 2011 que Carles Dénia se deu a conhecer ao público, por via de “El paradís de les paraules (O Paraíso das Palavras)” - um disco expresso através da música e da voz de poetas andaluzes dos séculos IX a XIII, que viveram nos atuais territórios valencianos. Assim, versos de autores como Ibn al-Jannan (Xàtiva, 1084-1144), Ibn Khafaja (Alzira, 1058-1138), Ibn Lubbun (Sagunto, S. XI) e Ibn Al-Abbar (València, 1199- 1260), foram adaptados pelo poeta Josep Piera, e convertidos nas canções que compõem “El paradís de les paraules”. À discografia de Carles Dénia juntam-se “Tan alta com va la lluna” e “L’home insomne”, discos editados em 2008 e 2015, respetivamente.

Segundo conta Carles em entrevista à Infocul, o amor pelo canto flamenco e pela música tradicional de Valência começou desde muito jovem. Seguiram-se contactos com outras manifestações do folclore musical de outras regiões espanholas, legado cultural que inevitavelmente veio coagular nas suas composições.

Por seu turno, Luca Argel traz-nos uma ode ao Samba - ou, melhor, ao “Samba de Guerrilha”, como assim se intitula o mais recente álbum, lançado no ano passado. Ao exercício de revisitar a História para dela extrair o que não foi ainda contado - as “histórias que a História não conta”, junta-se o de interpretar o tempo e o espaço, de canalizar fenómenos que se atravessam na vida de Luca - dos quais é exemplo a gentrificação que descarna a cidade, para as suas composições. Afinal, foi precisamente ela, a gentrificação, a empurrar o Samba para fora da Praça Onze; o Samba que imortalizou um lugar que não existe mais e que lhe foi berço. “Samba de Guerrilha” contempla ainda momentos de narração que interpelam os temas e, ao evocar momentos da História do país, nos situam em cada uma das canções.


A segunda noite do evento é a de amanhã, dia 15 de abril, e protagoniza-se pelas vozes de Sara Correia e Fogo Fogo.

Um dos singles de apresentação de Sara Correia chama-se “Chegou tão tarde”, mas, a fintar o sentido que carrega esse título, Sara vem na hora certa dar uma nova aragem ao Fado. Em 2020 lançou “Do Coração”, segundo disco e produzido por Diogo Clemente, ao qual se deve, aliás, a composição de vários temas, bem como a direção musical. Nas atuações, Sara acompanha-se um quarteto formado por Diogo Clemente na viola, Ângelo Freire na guitarra portuguesa, Marino de Freitas no baixo e Vicky Marques na percussão.

À atuação de Sara Correia segue-se a dos Fogo Fogo, pelas 21h30. Foi há cerca de sete anos, no palco da Casa Independente, em Lisboa, que Francisco Rebelo (baixo), João Gomes (teclas), Edu Mundo (bateria), Danilo Lopes (guitarra solo e voz) e David Pessoa (guitarra ritmo e voz) se tornaram Fogo Fogo. De início, a união fazia-se de encontros mensais nos quais os cinco músicos recriavam algumas das canções mais representativas do repertório cabo-verdiano, nomeadamente do Funaná - exercício que veio a culminar no homónimo e primeiro EP – Fogo Fogo, em 2016. Pouco a pouco, e por influência dos grandes mestres elogiados e homenageados nesse primeiro EP, e outros, como Simentera, Bulimundo, Codê di Dona, Ferro Gaita, Tubarões, Sema Lopi e Mamo Pencha, lançaram-se na escrita de originais, dos quais nasceu, em 2019, o EP “Dia Não”. De forma indissociável, o condão sociopolítico é presença assídua na feitura das letras e materializa-se na capa de Flado Fla, álbum lançado em setembro de 2021., e em cuja capa, da autoria do artista plástico Vhils, é densa em significado: Amílcar Cabral – líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e da inerente luta pela libertação, está Orlando Pantera, Tim Maia, Paulino Vieira, Zeca Afonso e José Mário Branco são algumas das figuras inapagáveis da História da Música de protesto e que surgem nesta ilustração. Fado Fla traz-nos, pois, da afirmação e da reinvenção do Funaná – expressão musical reprimida durante o colonialismo português, a qual se faz por via de uma posição de “respeito e homenagem” para com a tradição musical caboverdiana.


A pautar a noite de sábado, dia 16 - a terceira e última de Live in a Box, eis as atuações de Cristina Branco, pelas 19 horas, e finalmente de Carlão, pelas 21h30.

Não cedendo ao castrador exercício de reduzir expressões musicais a géneros, a expressão "fado-jazz" é talvez aquela que mais se aproxima ao lugar espectral em que encontramos Cristina Branco, e que continua a multiplicar espetáculos pela europa fora. É precisamente essa não-rotulação que torna o estilo musical da artista único e reconhecido além-fronteiras, movida por uma contínua vontade de fazer música e de a usar para contar histórias.

Dos 16 álbuns lançados, refira-se “Eva”, álbum lançado em 2020 e desenvolvido ao longo de duas residências artísticas: uma realizada no Museu de Arte Moderna da Dinamarca, outra no Algarve - Loulé é identificada por Cristina como o lugar onde o grande foco deste trabalho nasceu e cresceu.

Cristina Branco foi já galardoada com o Melhor Disco de 2017 pela Sociedade Portuguesa de Autores e nomeada para o Globo de Ouro de Melhor Intérprete Individual.

A fechar esta dose de concertos, pelas 21h30 o palco é de Carlão - ainda hoje conhecido por “Pacman” para tantos, sobretudo para os devotos de Da Weasel.

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Luca Argel: “o Samba como género poético serve muito bem para falar sobre situações delimitadas num tempo e espaço, mas que podem ser extrapoladas para leituras mais universais”

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A linha ténue entre liberdade de expressão e bom senso | Crítica