“Não estou preocupado em fazer algo que seja padrão e que já existe: quero criar a minha identidade e o meu próprio som.” -Jacaréu

Jacaréu, o artista movido pelas necessidades de intervenção e pela abordagem a temas importantes para a sociedade, é autor dos singles “Senhorio” e “Escola da Vida”.

©Jacaréu, 2024

Jacaréu deu vida ao seu nome artístico na altura da pandemia, com estreia na voz e escrita, querendo dar a conhecer ao mundo a sua música e arte.

Jacaréu parte numa narrativa pessoal sobre temas que lhe são muito essenciais e até mesmo obscuros, usando-os então como forma de terapia. Relata mesmo que, o que pretende, é captar o público para a gravidade deste lado arcaico, o limiar do pensamento. À vista disto, pretende causar a reflexão sobre determinados tópicos que já começam a ser banais nos dias de hoje.

Numa entrevista com o artista, vemos, através dos seus olhos, como é o trabalho na área da música e os desafios que o mesmo enfrenta, assim como nos dá um cheirinho do que aí vem, já este ano.


Beatriz: De onde surgiu Jacaréu?

O nome é uma homenagem familiar, “Jacaréu” era uma alcunha do meu trisavô. Reza a lenda que, na aldeia onde ele vivia, o mesmo era mau como as cobras, ou seja, como o jacaréu. Toda a minha família é da zona de Alvaiázere e é desde pequenino que ouço o nome Jacaréu.

Em relação ao projeto, este nasceu na pandemia. 

Fiz parte de uma banda há uns anos, mas entretanto sai e tive um tempo que decidi afastar-me da música. Depois lá quis retomar e foi uma oportunidade para começar a escrever e dar voz aos meus trabalhos, isto porque antes era apenas guitarrista. Quis experimentar novos terrenos, foi uma estreia absoluta e passado estes anos cá estou eu, com muita alegria!

Beatriz: Nas tuas obras, criticas a situação habitacional do país, o facto da escola pouco nos preparar para a vida adulta e, noutra vertente, o receio da crítica e o andar na sombra da gente com quem já trabalhaste no passado. Qual a relevância destes temas, que são tão reais, para ti?

Para libertar os sentimentos mais obscuros.

Não costumo escrever sobre coisas que gosto ou que me dão prazer, mas escrevo sim como terapia.

Às vezes sai de uma forma mais pessoal, outras vezes é partilhada e sentida por mais pessoas, como é o caso da habitação. A relevância no meio disto tudo é ser uma purga individual, mas também sentir uma reflexão sobre os temas. Gosto quando as pessoas vêm ter comigo e se referem às obras que fiz, para criticar ou para concordar. O meu intuito é mesmo picar este lado mecanizado da escola, este lado arcaico, que limita o pensamento, questionar este caminho correto que as pessoas tomam por garantido. Nem sempre é possível colocar todos os ingredientes numa só obra. Quero atacar e libertar este lado mau que existe e fazer o público refletir sobre o mesmo. 

 

Beatriz: O que achas que diferencia a tua arte das demais?

Assim de repente, acho que existe uma corrente de artistas a tentar replicar aquilo que está a ter sucesso agora. As músicas que surgem são cópias das cópias, todos os beats são iguais e até os próprios temas. Eu gosto de “beber” de vários sítios, aliás cresci a ouvir Heavy Metal, Rock and Roll. Mesmo com a criação do “Senhorio”, pensei em Heavy Metal, mas tentei traduzir para um registo de hip hop, como futuras músicas. Lá está, tem que fazer sentido, daí mudar o rumo das músicas. Não estou preocupado em fazer algo que seja padrão e que já existe: vou fazendo, acima de tudo quero divertir-me e criar a minha identidade e o meu som.

 

Beatriz: Referes que o single “Senhorio” é uma chamada de atenção para a crise habitacional no nosso país. O que te motivou a escrevê-la e o que pretendes transmitir a partir da mesma?

Isto é uma crise recente, não me lembro de há 10 anos isto ser um tema como é agora. Não colocávamos isso em cima da mesa. Não aparecia nas notícias, ninguém falava sobre isto, mas se calhar também era daqueles temas diluídos em muitos outros. Nos últimos anos, efetivamente, não se fala de outra coisa. Ver o pessoal da minha idade ou mais novo, que não consegue comprar, ou alugar sequer. E há também o problema da imigração constante. T1 acima dos mil euros, onde há uns 7 anos, conseguia arrendar T2 a 400 euros ou nem tanto. Houve um choque gigante, um assunto como este ficou muito forte, começou-se a sofrer com isto e a observar as pessoas à minha volta à rasca, quer dizer, é triste, é a reflexão sobre o que se passa no nosso país. Supostamente, recebemos tantos turistas, mas mesmo assim estamos a sofrer mais com as questões de habitação. Como é que uma situação que poderia ser boa para nós e afinal é o reverso?

 

Beatriz: Quais são as influências mais significativas que podem ser identificadas na tua arte?

Neste momento, não vem diretamente das minhas inspirações. Eu sei de bandas, os meus primeiros amores, a minha primeira paixão na primeira nota que me atingiu, como Guns’n’Roses, Metallica. Que intensidade gigante! Mais tarde foram os Tool, por ser uma banda meia esquisita e estranha, mas a parte lírica é importante e ressalta-se bem. Mais recentemente, com hip hop, o Sam The Kid pela métrica dele, as rimas ao longo das frases, o encaixamento das palavras de uma forma diferente; a Capicua, pela parte da crítica, os beats dela, ou seja, cada música tem a sua identidade e o seu sabor. Ela é uma artista importante e incrível, com quem amaria fazer uma parceria no futuro. 

Outros artistas que me inspiram no dia a dia são os meus amigos da poesia. Os eventos de poesia cá em Lisboa mudaram-me a vida a nível pessoal e profissional, com momentos de partilha, de palavras. Conheci tanta gente incrível e que me inspiram desde o início, já há 3 anos. A sua palavra, o seu espírito de iniciativa, tudo! 

 

Beatriz: Quais são os aspetos mais desafiadores de te manteres fiel à tua visão artística, num mundo que é cada vez mais comercializado?

Quando fazia música com a minha banda há uns anos, tínhamos introduções muito longas, como se fosse um mini filme. Atualmente isso não funciona.

A atenção das pessoas é cada vez mais um desafio, por ser cada vez mais diluída. Temos tanta coisa nas redes sociais, mas no fundo não estamos atentos a nada. Até o “Senhorio”, foi um dos grandes exemplos, pois no início acabou por se compor com uma introdução gigante, não para mim, mas para as pessoas, isto porque ao fim de 15 segundos, já começa a ser exaustivo para os ouvintes.

Captar a atenção das pessoas é o mais desafiante. Ao vivo consigo captar a atenção e agarro as pessoas, pelo olhar, pela forma de estar, mas em termos de material, música ou vídeo, é muito difícil captar as pessoas. Sinto que está tudo muito padronizado, está cada vez mais algorítmico. Se eu fizer um beat igual ou parecido a músicas que estejam em alta, o pessoal que estiver atento reconhece e gosta automaticamente da obra.

Antigamente, havia a predisposição do público para ouvir o que os artistas tinham, ou seja, os artistas é que ditavam os estilos e o caminho que seguiam. As pessoas gostavam e estavam abertas a tal. Nos dias de hoje já não é assim. Os artistas que seguem um caminho diferente, vai ser sempre mais atarefado e complexo. Não há aquela vontade de conhecer os artistas e isso é um grande desafio. Por outro lado, com algum jogo de paciência, eu quero acreditar que consigo chegar mais longe. Custa-me imenso fazer música que eu não acredito ou debitar uma letra que não soa bem. 

Para já, estou-me a divertir, estou a tentar estar atento ao mercado e ao que acontece pelo mundo inteiro, que está em constante mudança a cada dia que passa. 

 

Beatriz: Quais são os teus planos futuros em termos de lançamentos musicais e apresentações ao vivo?

A próxima música será intitulada “Bota Abaixo”. Sabes aqueles jantares onde até de repente aparece aquele bacano a dizer-te para beberes tudo até ao fim? Eu não tenho paciência para aquilo. Então num desses jantares, pensei numa letra, guardei-a num baú e decidi este ano que vou mostrá-la ao mundo. E, entretanto, para o ano já tenho a intenção de lançar um álbum como desejado.

 

Beatriz: Qual foi o conselho mais valioso que recebeste em relação ao teu trabalho?

Olha, a vida de espetáculo não é nada fácil. Há sempre alguma complicação antes do espetáculo.

O senhor Vulcão que está comigo no Fala Povo Fala, num dos espetáculos, antes do concerto, disse-me o seguinte: “Jaque, está tudo certo, o mundo está a arder, está tudo certo.”. Gostei desse conselho, isto porque eu sempre fervi com coisas maçadoras e injustiças. Ouvir isto foi muito importante, acalmou-me e acabei por não levar tanto a peito, o que me fez entrar no palco mais sereno. Se eu aparecer no palco com um ar de chateado, vai tudo correr mal. Então está tudo certo! Sei que não sou idiota, isto pode não estar a correr bem, mas vamos manter a leveza e a tranquilidade. Manter a atitude positiva, porque quem nos vai ver merece isso e não vale a pena ficarmos mal vistos. De entre os muitos conselhos que recebi, este é o mais tranquilizante.

©Jacaréu, 2024

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