Suricata: “algo estranho nas minhas composições é que normalmente não têm refrão e gosto de abrir a estrutura para improvisações melódicas”
Hoje, Suricata lança o segundo single do seu EP homónimo. Aproveitámos a ocasião para ficar a conhecer melhor este trabalho, conversando com Pedro Gil, guitarrista e compositor, e o multi-instrumentista Tércio Freire.
Não estamos habituados a ver Suricatas no seu habitat natural por estas terras a Sul! No entanto, no sentido figurado, os povos do litoral, pela sua ligação íntima com o mar, acabam por ter um comportamento similar a esta espécie particularmente atenta e de olhar comprometido com o distante; nostálgico, talvez. Será a música de Suricata a banda sonora deste sentimento tão português?
Tércio – Sim, creio que a nostalgia, a saudade e o mar estão lá representadas.
Pedro – Nós somos Portugueses. Como tal, o que fazemos artisticamente reflete essa cultura. No entanto, ser Português é uma multiplicidade de coisas e de músicas…
Sendo amigos e músicos com um vasto currículo musical, tendo colaborações com inúmeros artistas e partilhado tantos palcos, há quanto tempo nutriam o desejo de colaborar numa criação desta natureza? Como surgiu o cruzamento destas duas guitarras que compõem o duo?
Pedro – Surgiu de forma bastante simples e até natural. Estou sempre a compor (compulsivamente), e, por vezes, ia mostrando algumas coisas ao Tércio. Trocávamos umas ideias. Um dia, juntámos-nos no Vagabundo Studios para trabalhar a sério e depois gravar. A guitarra barítono do Tércio é o ingrediente especial que faltava nestes temas.
Tércio – Pois, foi natural. Já tocamos juntos há muitos anos e sempre trocámos muitas ideias em ensaios. Cheguei a tocar esses temas no baixo, mas, como o Pedro Gil disse, acabámos por adotar a guitarra barítono como complemento.
A música de Suricata preenche-nos com ligações bastante vincadas ao Fado, ao Blues, e ao Jazz. Neste primeiro EP fica clara a intenção de explorar esses caminhos em simbiose. Existe, no entanto, a vontade de explorar outras linguagens que não tenham tido espaço neste primeiro EP, ou estas referências já apresentadas irão definir o “ADN” de Suricata?
Pedro – Tenho grande dificuldade em ver a música através de estilos. Eu não consigo compor a pensar que estou a fazer Blues, Jazz ou Fado. No entanto, como exercício, consigo fazê-lo. Gosto da mistura e componho o que me apetece no dia. Quero dizer que em Suricata tudo é possível, desde que seja musical e honesto.
Tércio – Sim, descrevemos muito a nossa música não com uma definição de estilo, mas mais como paisagens sonoras. No entanto, estão lá algumas das nossas influências.
A criação de ambientes sonoros é, de facto, uma premissa do projeto. Durante o processo criativo e de composição existe a intenção de definir um espaço e um tempo próprio para a mesma? Como é que as melodias e os arranjos vão ao teu encontro, Pedro?
Pedro – Sou muito prático em termos de composição, talvez por causa da minha formação clássica e do jazz. Todos os dias, pego numa folha e componho melodias ou ideias. Eu não sou muito bom com as palavras. Por isso, tento fazer sempre boas melodias para me exprimir, normalmente canto interiormente e não uso o instrumento para compor. Surgem coisas interessantes quando cantamos interiormente. Algo estranho nas minhas composições é que normalmente não têm refrão e gosto de abrir a estrutura para improvisações melódicas.
Se vos pedirmos para enumerar um conjunto de autores e referências musicais que influenciaram a definição da vossa sonoridade, quais os nomes que vos surgem de imediato e que aconselham os vossos fãs a explorar também?
Pedro – Embora não se note muito, a minha referência mais forte será sempre Mark knopfler. Gosto muito também de Ry Cooder e Marc Ribot. Ultimamente tenho ouvido Jakob Bro. Gosto também bastante de música clássica, especialmente de Bach e Debussy.
Tércio – Oiço todo o tipo de música. No entanto, aconselho a malta a ouvir os cantautores, desde José Afonso a Bob Dylan, L. Cohen ou Tom Waits.
Neste momento particular, os eventos sociais estão suspensos, mas… acreditamos que já muitos fãs e amigos vos pediram para ver, ouvir e sentir Suricata ao vivo. Uma vez que a pandemia nos priva de termos esse prazer nos próximos dias, há algo que estejam a planear para o momento da bonança?
Tércio – Já tínhamos agendado algumas datas e até um concerto com gravação na Escola Técnica de Comunicação (ETIC). Estávamos também a fazer uma colaboração com Afonso Dias para o 25 de Abril. No entanto, os concertos foram adiados e/ou cancelados. Mas sim, que volte tudo ao normal; que façamos o o concerto de lançamento do EP e continuemos a tocar.
Pedro – E também voltemos a estar com a família e os amigos.
Hoje é também o dia em que apresentam o segundo single do vosso EP homónimo. Outono é o nome deste novo tema. Alguma nota especial que queiram deixar sobre esta faixa?
Pedro – É um tema meu, já bastante antigo. Senti que tinha de ser cantável e melódico do princípio ao fim. Qualquer pessoa pode cantar a música toda, mesmo a parte dos solos.
Tércio – Sim, chegámos a ter esta versão cantada em inglês, numa antiga formação dos The Fried Fanekas Blues Band. Mas adoro-a assim, em instrumental.
Para quando poderemos esperar um novo conjunto de temas de Suricata? Já existem planos para um longa duração?
Pedro – Temas e ideias já existem. Se tudo correr bem, ainda este ano gravamos um álbum.
Tércio – Ao prepararmos os concertos, acabamos por inserir alguns temas tradicionais das nossas regiões: Açores, Trás-os-montes e Algarve. Por isso, algo com raiz mais tradicional pode surgir numa próxima gravação.