Jazz Meyer: “O grande foco do meu trabalho é a Comunicação Compassiva (…) esta é uma filosofia e metodologia desenvolvidas por Marshall B. Rosenberg”

Jazz Meyer é autora e formadora. Está envolvida numa variedade de projetos focados no storytelling, e afirma que o que lhe dá mais alegria é poder partilhar a sua conexão com o mundo através dos seus workshops, do seu podcast e blog.

És Australiana mas estás a viver em Portugal há alguns anos. Como foi a adaptação a um país e cultura tão diferentes do teu? Gostas de viver cá?
Eu deixei a Austrália há cerca de seis anos. Primeiro vivi em Berlim, depois mudei-me para Portugal, há dois anos. Desde então já vivi em três locais diferentes e, para ser honesta, ainda não me sinto completamente adaptada. No entanto, tenho tido muita sorte ao conhecer pessoas incríveis em cada um dos lugares por onde passei e o meu amor pelo português cresce constantemente. Em certas coisas, Portugal relembra-me bastante a Austrália, nomeadamente o tempo, a flora, o carinho e a simpatia das pessoas. Mas sei que ainda tenho um longo caminho a percorrer até me sentir completamente integrada, e acho que é isso que, em grande parte, está a impedir-me de me sentir completamente em casa, aqui.
Fico muito feliz em poder dizer que o meu português está cada vez melhor – isso é muito importante para mim – e, graças ao meu namorado, que é de Lisboa, o meu círculo social está a expandir-se. Estou muito grata por ter sido recebida tão calorosamente neste país, e o convite para dar esta entrevista é um perfeito exemplo disso.

"Eu percebi que necessitava de dar a mim própria algum carinho e compaixão, que tinha vindo a negligenciar."


O teu blog “Liberation and Love” é um espaço onde partilhas muito acerca de ti e do teu trabalho. Quando e por que razão decidiste criá-lo?
Eu tenho escrito durante grande parte da minha vida e sempre desejei, secretamente, ver o meu trabalho publicado. Há uns anos comecei a escrever para uma revista feminina de lifestyle, e os meus artigos focavam-se primariamente em tópicos como o sexo e as relações. Apesar de gostar realmente desse trabalho, queria um espaço onde pudesse escrever, sem impedimentos, acerca de outros temas que tinham mais a ver comigo, mas também aprofundar os tópicos que já explorava na revista. Depois de passar um ano a dar workshops sobre a Comunicação Compassiva, decidi lançar o blog como forma de acompanhar tudo o que eu estava a aprender e a ensinar através dos meus workshops.

O que é que mais te inspira?
Sempre que vejo alguém “oferecer” empatia e compaixão, especialmente face a um conflito, fico impressionada com a capacidade que os humanos têm em demonstrar compaixão. Eu descobri vários exemplos disso no trabalho do Marshall B. Rosenberg – exemplos que me inspiram a continuar a ter a conexão, o amor e a empatia como as minhas linhas-guia.

Dás workshops porque dizes adorar partilhar o poder da conexão pessoalmente. Podes falar-nos um pouco mais acerca desse teu trabalho e como te tornaste formadora?
O grande foco do meu trabalho é a Comunicação Compassiva, também conhecida como Comunicação Não-Violenta. Esta é uma filosofia e metodologia desenvolvidas por Marshall B. Rosenberg, que procura ajudar-nos a ter presente a compaixão para connosco e para com os outros. Eu ouvi falar da CNV a primeira vez em 2014, ao ler livros acerca do poliamor. Nos anos seguintes comecei a aprender mais e mais, mas só quando fui a um workshop do Kelly Bryson (amigo do já falecido Marshall Rosenberg) é que reconheci o quanto daquilo incorporava uma série de coisas que eu considerava valiosas para a conectividade humana. Eu soube imediatamente que queria que aquilo permanecesse na minha vida, então comecei a apresentar a pequenos grupos de amigos, depois estranhos e só posteriormente, comecei a desenvolver pequenos workshops para introduzir as pessoas aos princípios básicos do método. Eu apaixonei-me realmente pelos workshops e fico sempre admirada quando vejo a confiança, a honestidade e a vulnerabilidade nas pessoas que comparecem. Sou eternamente grata a todos aqueles que me têm apoiado nesta jornada, e estou muito feliz por ter a oportunidade de desenvolver este trabalho.

Em relação ao teu projeto mais recente – o podcast ‘See You In Sleep County’: já fazia parte dos planos ter um podcast, ou foi algo que surgiu espontaneamente?
See You In Sleep County’ surgiu espontaneamente durante uma chamada telefónica com o meu melhor amigo, Blake Farha, que vive em Berlim. Isto aconteceu no primeiro mês de quarentena e eu já desejava colaborar nalgum tipo de projeto criativo, apesar de não ter feito grandes avanços em relação a isso. Eu e o Blake já tínhamos falado anteriormente acerca de uma colaboração, mas ainda não tinha surgido o projeto certo. Nesta chamada telefónica ele contou-me acerca de um trabalho de voice acting que esteve a fazer e sugeriu-me, de repente, criarmos um podcast de storytelling juntos. Ele já tinha lido algum do meu trabalho de ficção e eu sabia que ele tinha talento para contar histórias então, pareceu-nos a maneira perfeita de combinar talentos. Depois de algum brainstorming, estávamos entusiasmados para começar um podcast de histórias para dormir para adultos, baseadas nos meus registos diários pessoais, e assim nasceu o ‘See You In Sleep County’.

A pandemia e o confinamento surtiram efeito em muitas pessoas, a nível psicológico e mental. Desenvolves-te algum trabalho específico direcionado para estas pessoas, durante esse período?
Na verdade, eu própria enfrentei algumas dificuldades, tanto nos meses que nos levaram até à pandemia, assim como durante a quarentena. Eu percebi que necessitava de dar a mim própria algum carinho e compaixão, que tinha vindo a negligenciar. Eu experienciei alguma ansiedade em relação a construir o meu próprio negócio e surpreendentemente, a quarentena deu-me a oportunidade de dar um passo atrás e reorganizar as minhas prioridades. Eu sei que sou muito privilegiada por poder dizer isto. Durante esse tempo, eu reconheci que sem este nível de reflexão e autocuidado, eu não estaria apta para poder apoiar os outros tão genuinamente quanto gostaria.
Ao sentir-me a “recalibrar”, comecei discretamente a oferecer sessões de vídeo one-on-one acerca de escuta ativa/empática e Comunicação Compassiva. Também senti que o podcast foi uma oferta valiosa e autêntica para o mundo ao ajudar as pessoas a aliviar a ansiedade que poderia estar a impedi-las de dormir, ao dar-lhes histórias relaxantes para ouvir. Mudei ainda o foco da minha página de Instagram para a partilha de notas mais vulneráveis de inspiração e amor que estavam presentes em mim, e que poderiam tocar as pessoas que as lessem.

" (...) relembra-me de que nós estamos todos um pouco perdidos, andando pela vida e a tentar fazer o melhor que conseguimos."

A vulnerabilidade e o amor próprio são dois temas recorrentes no teu blog. Sentes que nos tempos atuais, em que as redes sociais ditam e formulam a maneira como percepcionamos os outros e a nós próprios, é cada vez mais importante abordar estes temas e discuti-los?
Eu penso que temas como a vulnerabilidade e o amor-próprio são sempre relevantes e eu não consigo imaginar o ser humano, em outra era, sem que estes elementos fossem o núcleo para a maneira como interagimos connosco e com os outros. Talvez em diferentes épocas, as distrações são diferentes e acontece que nós estamos a viver num tempo em que as redes sociais tomaram grande parte da nossa atenção. Posto isto, eu noto em mim própria que quanto mais tempo passo nas redes sociais, mais sofre a minha saúde mental, então sim, eu acho que as redes sociais se tornaram tão omnipresentes que é extremamente importante estar alerta dos seus efeitos na nossa autoestima, conexão, e bem-estar mental e emocional, e combater isso com uma maior consciencialização da vulnerabilidade e amor próprio.
Pessoalmente, tenho vindo a descobrir que definir limites para mim própria em relação ao uso das redes sociais, é uma forma potente de amor próprio, que começa por reconhecer o quão afetada eu sou pela media que absorvo. Também ajuda focar-me mais naquilo que quero fazer, do que no que não quero. No meu caso, quero mais paz, conectividade mais genuína, e um sentido de valor próprio mais forte. Em contraste, estou mais alerta que as redes sociais podem ser, e são usadas frequentemente, para nos alienar dos outros, primariamente através desta pressão subconsciente de que devemos ser mais como os outros nos idealizam. Então, de forma a transformar as minhas redes socais em algo que ajuda a preencher aquilo que eu mais quero, tornei-me mais consciente acerca de tudo o que publico. Deixei de me promover e comecei a publicar mensagens mais vulneráveis e honestas, que espero que possam encorajar e apoiar o meu público com amor e carinho.

Qual foi o melhor conselho que alguma vez te deram e achas que toda gente deveria ouvir?
Não foi bem um conselho, foi mais um ‘lembrete’ – “Nós estamos todos a levar-nos a casa”. É uma frase do maravilhoso Ram Dass, e relembra-me de que nós estamos todos um pouco perdidos, andando pela vida e a tentar fazer o melhor que conseguimos. Quando nos lembramos que não estamos sozinhos, que estamos acompanhados no caminho que nos leva de volta, sentimo-nos menos assustados. Eu sinto a segurança que provém de saber que não estou sozinha, e que há outros a suportar-me, e que é meu dever fazer o mesmo por eles.

Sugere cinco livros que toda gente devia ler, pelo menos uma vez na vida.
Eu não acredito em ‘deveres’ mas acredito em celebrações e estes livros, de uma maneira ou outra, fizeram-me celebrar a maravilhosa, complexa e ridícula experiência que é existir. Talvez vocês sintam algo parecida, e eu espero que sim.

  1. “Comunicação Não-Violenta: A Linguagem da Vida”, de Marshall B. Rosenberg

  2. “Siddhartha”, de Hermann Hesse

  3. “A Ilha”, de Aldous Huxley

  4. “O Profeta”, de Kahlil Gibran

  5. “Chama-me Pelo Teu Nome”, de André Aciman


Quais são as tuas aspirações para o futuro pós-pandemia? Alguns projetos brevemente?
​Se há algo que a pandemia me ensinou foi a abrandar e a simplificar. A ansiedade que mencionei anteriormente, surgiu da pressão constante que senti para estar a par. Agora que vejo isso, noto que estava a esgotar a minha habilidade de estar verdadeiramente presente no meu trabalho. Estou também muito agradecida porque me ajudou a focar novamente naquilo que é importante para mim, portanto, quando voltar aos Workshops de Comunicação Compassiva, estarei a oferecê-los numa base de Presente Económico, ou seja, os participantes só irão pagar aquilo que desejem ou que lhes seja conveniente. Este é um passo entusiasmante e assustador a dar em direção a uma maior confiança e abertura, e estou grata por trilhar um novo caminho que está mais alinhado com os meus valores.


Obrigada, Jazz!

Pode acompanhar a Jazz Meyer e o seu trabalho através das redes sociais (Instagram e Facebook) e do seu blog.

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