Bárbara Santos: “era muito agarrada à partitura, muito quadrada, e estes projectos também me ajudaram na maturidade e na musicalidade, seja ela em que estilo for”
Bárbara Santos é uma jovem violoncelista que nos últimos anos tem feito do Algarve o seu palco e o seu porto de abrigo. Natural de São Romão do Coronado (Porto), rumou a terras algarvias quando terminou a sua Licenciatura em Violoncelo, na Escola Superior de Música de Lisboa. O seu percurso é marcado maioritariamente pela vertente de instrumentista de repertório erudito, mas encontramo-la cada vez mais a acompanhar músicos do pop, do folk e até da música mais alternativa.
O violoncelo é o teu amigo inseparável. Recordas-te do teu primeiro contacto com este instrumento? Conta-nos um pouco sobre o teu percurso formativo.
Recordo-me um pouco. Na altura em que fui fazer provas para a Escola Profissional e Artística do Vale do Ave (ARTAVE), tinha os meus 11 anos. Experimentei vários instrumentos, mas o que realmente me despertou o interesse foi o Violoncelo. Fiz o meu percurso musical inicial dos 12 aos 17 anos na ARTAVE e depois ingressei na Escola Superior de Música de Lisboa para a Licenciatura em Execução - Violoncelo e, mais tarde, no Mestrado em Ensino da Música - Violoncelo.
Terminada a Licenciatura, queria começar logo a trabalhar na minha área e soube de uma oportunidade existente em Lagos, para leccionar, e foi então que comecei a dar aulas em 2014. Esses dois anos da minha vida - 2014 a 2016 - foram bastante preenchidos com viagens, pois, em simultâneo com as aulas de Lagos, tinha o Mestrado em Lisboa, onde ia todas as semanas. Em 2015, por intermédio de um colega e amigo em comum com o Luís Caracinha, recomendam-me, enquanto violoncelista, ir a umas gravações, e é aí que começa a parte “algarvia musical” da minha vida. Já fazia parte de um grupo de Lisboa - Café D’Alma - e, de repente, já me via noutro projecto: Esfinge. Em 2017, senti que precisava de voltar às minhas raízes, que são do norte do país, e por lá fiquei durante um ano e meio, aproximadamente. Tive oportunidade de leccionar na Escola de Música Óscar da Silva e na Escola das Artes, ambas em Matosinhos, por um ano lectivo. No ano seguinte, resolvi dedicar-me um pouco mais ao violoncelo e fazer várias Masterclasses com nomes reconhecidos mundialmente, inseridos num programa denominado “Violoncelos de Santa Cristina”. Em 2018, continuo a sentir falta de qualquer coisa e, após colaborar algumas vezes com a Orquestra Clássica do Sul e fazer algumas gravações com o meu querido amigo Luís Caracinha, a par da existência recente do projecto Riding a Meteor, senti que o distrito de Faro me chamava. É então que rumo novamente a sul, sem nada em vista, apenas porque senti que queria fazê-lo, experimentá-lo. Assim que cá chego, tenho oportunidade de leccionar no Conservatório Regional Maria Campina e no Conservatório de Olhão. Continuei também a fazer algumas gravações e concertos. Tive ainda o privilégio de integrar uma temporada na Orquestra Sinfónica Portuguesa do Teatro Nacional de São Carlos.
No ano seguinte (2019), fiquei colocada No Conservatório de Música de Loulé - Francisco Rosado e continuei no Conservatório de Olhão a leccionar. Ainda nesse ano, surgiu a oportunidade de integrar mais dois projectos: o da Teresa Aleixo e o Trio Helena Madeira. Segundo as minhas contas, já eram uns cinco projectos, na altura.
Actualmente, para além de música, continuo a leccionar. Mas a presença dos concertos na minha vida é indispensável!
Em concerto com Riding a Meteor à esquerda no Teatro das Figuras, à direita nos Cinemas Nos
Esta primeira resposta deixou-nos um enquadramento bastante alargado do teu percurso. Refinando um pouco cada um dos momentos que indicaste, referes que após a licenciatura vens para ao Algarve lecionar enquanto finalizavas o mestrado. Como foi o processo de adaptação a uma nova região e toda uma dinâmica menos cosmopolita comparativamente com Porto ou Lisboa?
Eu consigo adaptar-me facilmente às mudanças, mas confesso que senti falta de muita coisa que, no sul, infelizmente, não existe tanto, por exemplo: os transportes públicos!
Também notei a diferença da quantidade de pessoas na rua, mas isso, a meu ver, é um aspecto mais positivo pois não há tanta confusão. E as praias de cá cativam qualquer pessoa!!
Referiste o projeto Café D’Alma, com o qual gravas o primeiro álbum também nesta altura. Além disso, dá-se a colaboração com o projeto Esfinge. Como foi sair do universo da música erudita e adaptar-te à dinâmica destes projetos?
Não tenho grandes recordações dos primeiros impactos destas mudanças musicais, se é que lhe possamos chamar assim. Mas sei que era muito agarrada à partitura, muito quadrada, e estes projectos também me ajudaram na maturidade e na musicalidade, seja ela em que estilo for.
Em concerto com Café D'Alma
Estávamos em 2015 e desde então tens acompanhado muitos outros artistas a par da tua actividade de instrumentista em orquestras regionais e nacionais. Como tem sido a descoberta e o convívio com novos artistas principalmente no Algarve?
Tem sido reveladora no que concerne aos vários meios e estilos artístico-musicais. Tenho conhecido imensa gente, e é graças a essas pessoas que vou tendo mais contactos neste meio, nesta cidade e neste distrito.
Já no final de 2017 integras a banda Riding a Meteor, na qual expões não só as tuas capacidades técnicas como o teu espírito criativo, compondo e criando arranjos com Luís Caracinha. Para além disso, acompanhar uma banda alternativa deve ter os seus desafios…
É verdade. O Luís Caracinha também foi uma das pessoas que me fez ter vontade de voltar a experimentar a viver no Algarve. Ele tem uma capacidade criativa incrível e resolveu recrutar-me! Foi e tem sido uma experiência desafiante e motivadora, apesar de nem sempre concordarmos em alguns aspectos. Ma só lhe tenho a agradecer por me ajudar e incentivar a conhecer “outro mundo”. Por vezes, descubro capacidades de composição que nem eu sabia que as tinha.
Como é para ti conciliar a atividade de professora com o estudo do instrumento, ensaios e concertos?
Quando se é um professor com uma carga horária pesada, é muito complicado conciliá-lo com o estudo necessário a um instrumentista em actividade. Admito que não tenho tempo para estudar o que devia, mas vou fazendo de tudo um pouco: aulas, ensaios, concertos, estudar...
No ano passado, passaste uma temporada a trabalhar com a Orquestra do São Carlos. Tocar numa orquestra desta dimensão institucional é sempre um marco no percurso de um instrumentista. Fala-nos um pouco dessa experiência.
Essa experiência foi um marco muito importante e enriquecedor para mim enquanto pessoa e enquanto música. Implicou continuar a dar aulas no Algarve e a estar na Orquestra todas as semanas, uma logística complexa mas que foi possível. Foi impulsionador para a minha forma e conteúdos no que diz respeito ao ensino, pois todos os dias aprendemos, principalmente se estivermos rodeados por outros músicos.
É incrível a diferença que separa todos os meios e estilos musicais. De certa forma, estar noutros meios fez com que eu não fosse tão obcecada pela perfeição. Porque o erudito pode ter isso (o que nem sempre é mau).
Em concerto com Esfinge no Teatro Lethes
Qual foi o concerto que mais te marcou?
Esta é aquela pergunta à qual fico sempre sem saber o que dizer. Não tenho na memória nenhum concerto, enquanto performer, que me tenha marcado de modo a que se destaque como AQUELE concerto. Vou com concentração e entrega para todos, mas posso dizer que a adrenalina de um concerto com orquestra, de um concerto a solo ou de um concerto com Riding a Meteor, por exemplo, não tem nada que se compare!
Se tiveres que convidar os leitores a conhecer alguns dos projetos em que participas, o que aconselhas?
Todos, claro! Relembro: Riding a Meteor, Café D’Alma, Esfinge, Teresa Aleixo e Trio Helena Madeira.