Microbioma é o novo “órgão” desconhecido. O que é e para que serve?

Entre todos os órgãos estudados por especialistas na área da saúde, o microbioma foi considerado o novo “órgão” desconhecido e tem vindo a ter um lugar de destaque. Gabriella do Vale Pereira, doutorada em Ciências Biológicas pela Universidade de Plymouth (Inglaterra), é especialista em microbioma intestinal e saúde dos peixes de aquacultura. Nas linhas seguintes, tenta explicar que órgão desconhecido é o microbioma.

Sim... Deves estar a pensar : “Espera, mas o que é que os peixes têm a ver com a saúde dos humanos?” A resposta é simples. Sabias que muitas das pesquisas relacionadas com a saúde humana são feitas primeiramente no peixe zebra? Porque este peixe é um modelo biológico que ajuda cientistas a entenderem o funcionamento do metabolismo do nosso corpo, por terem os sistemas imunológico e intestinal semelhante s aos dos humanos. E é por isso que me sinto à vontade para falar com vocês acerca deste assunto.
Antes de começarmos com explicações mais científicas, gostava de partilhar algumas curiosidades convosco acerca da relação do microbioma com a saúde do ser Humano.
Nós, humanos, nascemos normalmente estéreis, e o primeiro contacto com os microorganismos é na passagem do bebé pelo canal vaginal da mãe. Ou seja, muitas das crianças que não nascem por parto dito como "normal" ( nascidas por cesarianas), apresentam percentagens mais elevadas ao nível das doenças imunológicas e asma. A ausência deste contacto inicial com bactérias essenciais faz com que não crie anticorpos e/ou substâncias para prevenir doenças.
A alternativa para muitas mães que não podem evitar a cesariana, é uma “ lavagem” do bebé com muco vaginal da mãe, de forma a garantir essa colonização. Porém, este procedimento não está comprovado cientificamente.
A segunda via de colonização de bactérias no nosso intestino vem do leite materno. Ou seja, a amamentação nos primeiros instantes de vida é importante tanto do ponto de vista imunológico como do ponto vista microbiológico. Um bebé leva cerca de dois anos para ter um microbioma estabelecido, e, por incrível que pareça, este vai ser o microbioma base para o resto da vida. Agora talvez já faça mais sentido para ti o facto de o tempo de amamentação recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) ser de dois anos.

Mas afinal o que é o microbioma? É um conjunto de bactérias, fungos, vírus e outros microorganismos presentes em várias cavidades do nosso corpo. Ao longo deste artigo vou falar mais especificamente das bactérias, pois representam a maior parte no nosso microbioma intestinal.

Entre todos os órgãos estudados por especialistas na área da saúde, o microbioma foi considerado o novo “órgão” desconhecido e tem vindo a ter um lugar de destaque. Ficaste confuso?

Para conseguirmos perceber melhor como funciona o nosso microbioma, gosto de dividir as várias bactérias, que estão presentes no nosso intestino, em 3 tipos:

Neutras: São bactérias que estão de passagem e são muitas vezes ignoradas pois não se sabe muito sobre elas. Mas são muito importantes para o balanço do microbioma (mantêm a comunidade activa e as bactérias indesejáveis ( patogénicas) à distância.
Más (bactérias patogénicas): Estão sempre presente no nosso organismo, é impossível viver sem elas. O segredo é mantê-las controladas e em pouca quantidade. Como? Garantindo a presença das bactérias “boas”.
Boas: São as mais ativas. Estas ajudam-nos a digerir comidas que não conseguimos digerir sozinhas e secretam compostos que ativam o nosso sistema imunológico.

É claro que o nosso corpo possui uma capacidade de combater os intrusos (bactérias patogénicas) mas essa capacidade está diretamente relacionado com o nosso sistema imunológico. As bactérias “boas” ajudam o sistema imunológico pois excretam compostos que o sistema imunológico utiliza para combater as infecções. O sistema imunológico entende quais as bactérias boas e as bactérias más. Mas a evolução deste processo demorou milhões de anos juntamente com a evolução da nossa espécie. Alguns compostos excretados pelas bactérias “boas” ajudam as células do sistema imunitário a regenerarem rapidamente, outras educam o sistema imunitário (mantêm-se ativas, saudáveis e alerta).

Mas isto é só o inicio das investigações. A maior parte das pesquisas de hoje em dia estão focadas na relação do microbioma intestinal e o cérebro humano. Vamos conhecer algumas das curiosidades relativamente a isto:

Seretonina: Sabias que 90% da seretonina presente no nosso organismo é produzida no intestino (por bactérias) e faz uma comunicação com o sistema nervoso central: a via de informação do nosso sistema nervoso).
Depressão: Pesquisas indicam que os ratos de laboratório que são alimentados com bactérias de pessoas com depressão apresentam os mesmo sintomas depressivos tais como: ansiedade, sonolência e falta de apetite.
Dia-a-dia: o seu microbioma influencia no tipo de comida eles precisam, por isso influenciam na sua vontade de comer, ou seja: naquilo que o teu cérebro te faz comer.
Mas não é assim tão simples.

​Sabemos que o nosso microbioma é “doado” pelas nossas mães, mas a forma como ele se desenvolve depende dos nossos hábitos alimentares.

Sabemos que o nosso microbioma é “doado” pelas nossas mães, mas a forma como ele se desenvolve depende dos nossos hábitos alimentares. Algumas bactérias gostam de fibras e componentes de folhas verdes escuras; outras gostam de açúcar e amido; e outras gostam de gorduras em geral. Portanto, se os nossos hábitos alimentares forem saudáveis, vamos colonizar o nosso organismo com bactérias que gostam de comidas saudáveis e essas são essenciais ( as “bactérias” boas). É por isso de extrema importância mantermos uma comunidade bacteriana diversificada no nosso organismo.
Se mantivermos um estilo de vida stressante, consumirmos “fast food” repetidamente, as bactérias que gostam deste tipo de alimentos multiplicam-se e apoderam-se do espaço das bactérias que se alimentam de forma saudável. Para além disso, enviam sinais para o cérebro para continuar a consumir esse tipo de alimentos. É por isso que se torna tão dificil perder um hábito, porque vivemos num ciclo de co-dependência das bactérias. Que está diretamente relacionado com doenças, como a obesidade.
Se estás a ler este texto e notaste diversas semelhanças ao seu estilo de vida, nem tudo está perdido. Felizmente, o nosso microbioma é reversível. Eis alguns métodos para reverter a situação:

Transplante fecal: consiste em simplesmente introduzir bactérias de pessoas com microbioma saudável no seu sistema digestivo. Por mais estranho que pareça, este é o método que até agora apresentou maior eficácia a curto prazo. Embora já utilizado, ainda se encontra em fase de teste, pois a garantia que o microbioma saudável vai ser transmitido através deste processo depende muito da saúde do dador.
Alimentação rica em fibras: é o método mais demorado, mas certamente aquele em que mais acredito, pois o microbioma irá moldar-se de acordo com o estilo de vida e o corpo de cada um, individualmente.
Introdução de probióticos na dieta: Este é um método eficaz, porém com pouca repercussão, na minha opinião. Pois, a introdução de bactérias probióticas encontradas no mercado não especifícas para cada pessoa.
Perceber como funciona o teu próprio corpo e as suas necessidades é essencial para uma vida com qualidade.

Gabriella Pereira

Investigadora na empresa SPAROS Lda. na área de nutrição e saúde animal. Possui PhD em Ciências biológicas pela Universidade de Plymouth na Inglaterra. Fora da carreira académica possui hobbies como cozinhar e fazer exercício físico que vão desde o ballet clássico ao surf. Amante de viagens e de conhecer novas culturas, já morou nos EUA, Inglaterra e agora Portugal. ​​

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