Desafiar o Medo, acreditar na Arte
O criador e a arte têm agora um desafio, inimaginável para qualquer um de nós, no início deste ano de 2020. E a resposta a encontrar, para que os caminhos a reinventar não estejam sujeitos a fórmulas de sobrevivência “oficiais”, tem que ser audaz, abrangente, revolucionária.
A rua é hoje um lugar perigoso. Estamos num tempo em que sair à rua significa não saber se no regresso a casa somos, ou não, veículo de transporte de um vírus que nos encerrou entre quatro paredes, mas também fez questionar e tremer o sistema económico capitalista e o conceito de globalização em que vivemos, fez perceber que somos efémeros e que debaixo de uma pedra, quando menos se espera, acordam os fantasmas romanceados por Huxley e Orwell.
Improvisamos, nestes tempos de clausura, a nossa sobrevivência. Mas a grande maioria só sobrevive, mesmo! A partir de casa fazem-se espectáculos, saraus, declamações, exposições. Visitamos museus, organizam-se visitas guiadas até ao campo, realizam-se seminários, colóquios, workshops. Mas este improviso é a resposta à grande mudança de paradigma a que estamos a assistir e que terá de mudar profundamente a forma de olharmos o mundo em que vivemos?
Não, obviamente que não.
Transformamo-nos em coisa, em objecto 3D, em imagem, holograma. Desaparecem as sensações, os calores, os odores, a emoção do estar a assistir “ao vivo”.
Transformamo-nos em coisa, em objecto 3D, em imagem, holograma. Desaparecem as sensações, os calores, os odores, a emoção do estar a assistir “ao vivo”. A própria sobrevivência de muitos não fica resolvida com os espectáculos contratados pelos órgãos do poder público e pelos novos programas das televisões, porque, afinal, o que assistimos é ao remedeio de alguns e ao ganho de poucos.
A arte precisa da rua. Do espaço de exposição. Dos palcos, dos camarins e das plateias. Dos festivais em anfiteatros não artificiais ou em espaços onde a paisagem é cenário natural. Porque essa é a essência do CRIAR! Porque é sempre para alguém, e porque é a fórmula mais óbvia de todos aqueles que criam, que representam, que dão corpo, voz, movimento: sentir que têm uma função social na sociedade.
Mas para isso, e perante todas as dúvidas que continuam a abater-se sobre nós quanto aos timings da duração deste terrível problema que se abateu sobre nós, os artistas têm de sobreviver e algo tem de mudar! E rápido, para podermos responder a este medo que nos invade e que pode perdurar, sabe-se lá quanto tempo.
É preciso o poder público (central e local) saber reinventar o financiamento das artes. Da dança, do teatro, do cinema, da música. É preciso pensar que as novas fórmulas de educação e de formação devem ter na arte um suporte objectivo para a criação de conteúdos curriculares e métodos de ensino. É preciso mostrar que cada praceta, cada parque, cada espaço público são palcos da nossa vida e das vidas do espectáculo. É preciso que o cidadão, o político, o militar, as instituições olhem a arte como a seiva essencial para a construção de uma sociedade inclusiva.
É urgente olharmos a rua como um espaço de Alegria e não de Medo e, para isso, precisamos de salvar a Arte e os artistas, hoje!
Através da arte, do espectáculo, das emoções que nos trazem os romances, os poemas, as performances de dança podemos ajudar a fazer uma outra sociedade que saiba olhar o medo de estarmos na rua, como a vacina contra o estarmos em casa. O neourbanismo tem que pensar respostas ambientais, espaciais, organizacionais que integrem, de igual modo os espaços para mostrar, expor, representar.
É preciso olhar para os números que alimentam a sociedade mercantilista e consumidora de outra maneira. É preciso, sobretudo, olharmos a sociedade de outra forma. E a arte pode ser o instrumento que revitalize a nossa forma de pensar, de questionar valores, de assumir posturas de fraturação com a sociedade actual e de encontrarmos novos caminhos que não este estar viciado em que vivemos, onde o consumo sem fronteiras nem limites determina o nosso estar em sociedade.
É urgente olharmos a rua como um espaço de Alegria e não de Medo e, para isso, precisamos de salvar a Arte e os artistas, hoje!
FONTE Miguel Rego FOTOGRAFIA Miguel Rego