Esfinge: “De mãos dadas com a Filosofia e o Tempo (…) transportar o ouvinte para o ambiente onde possa sentir agitação e harmonia, conforto e inquietação, é o nosso principal objectivo”

Com influências de Folk, Fado e música tradicional dos países do Mediterrâneo, Esfinge brinda-nos com uma sonoridade que nos aquece em tempos frios. Estivemos à conversa com os autores deste projeto, nomeadamente Luís Caracinha, Tiago Marcos e Maria Jones, par apercebermos melhor todas as suas especificidades e natureza musical. “Levantem-se os copos, vibrem as taças, comecem as danças” e embarquemos nesta viagem musical.

Como surgiu este projeto?
Luís Caracinha (LC) Tudo começou em 2008, já no final do ano. Das muitas conversas que eu e o Tiago tínhamos na altura, ressaltava a vontade de criar canções que pudessem trazer mais do que o sentido literal das palavras e que fugissem, não no conteúdo, mas na forma, ao que a canção popular nos habituou. Na discussão, que andava de mãos dadas com a Filosofia e o Tempo, fomos parar aos arquétipos das mitologias. Foi aí que estacionámos na Grécia para dar início a este trabalho.
Tiago Marcos (TM) Na altura, já nos encontrávamos regularmente com vários músicos numa sala de aulas da Universidade do Algarve, onde já tentávamos criar canções. No entanto, aquilo a que chegávamos passava-nos sempre a sensação de falta de sentido conceptual. Após decidirmos trabalhar este tema, tudo passou a fazer mais sentido quando se escrevia, quando se compunha e quando ouvíamos as palavras cantadas.
Maria Jones (MJ) Quando me apresentaram a primeira letra de Esfinge, foi muito estranho. Havia toda uma construção frásica que saia daquilo que estava habituada. Talvez por isso, no início, tenha sido mais desafiante, mas, após o absorver da temática, tornou-se algo intrínseco a nós.

7arte em Castro Verde, 2016 © Ricardo Flôxo

Porquê Esfinge?
TM A esfinge que nos dá nome é a do mito de Édipo. Esta esfinge aparece na mitologia grega como uma personagem que tem como principal papel colocar questões ou enigmas a quem passa. Na mesma altura, surgiu em conversa que o papel da arte deveria idealmente ser esse - colocar questões. Achámos que fazia sentido usar um nome que era de fácil visualização para as pessoas e que pudesse, inevitavelmente, trazer a discussão o facto da esfinge, no senso comum, “ser do Egipto e não da Grécia”.

O que pretendem transmitir com a vossa música?

MJ A música que cantamos é recheada de estórias e simbolismos. Existem nelas muito conteúdo de carga emocional que, por natureza, torna as canções introspectivas e/ou contemplativas. Transportar o ouvinte para o ambiente onde possa sentir, dentro do mesmo registo, agitação e harmonia, conforto e inquietação é o nosso principal objectivo. Nestes contextos sonoros será mais fácil entender a moral da história que cantamos, se não, pelo menos sentir as emoções que estas tendem a transmitir, positivas ou negativas.

Concerto nas Ruinas de Milreu - © Epopeia - Make It Happen - Fábio Teixeira, 2019

​Fica claro que a influência da mitologia na vossa música é marcante, mas, no que toca à exploração das sonoridades, qual é o vosso critério?
LC Não podemos afirmar que haja um critério vincado. É claro que as nossas origens prevalecem sobre todos os estilos que acabamos por, pontualmente, cruzar nas nossas canções. O Cante, o Fado e cânticos moçárabes aparecem mais preponderantemente, no entanto os estilos do Sul da Europa são muitas vezes encontrados nos temas, como por exemplo o rembetiko da Grécia e os makams da música do império otomano.

O Mediterrâneo, esse mar de múltiplas culturas, é evidente no vosso trabalho, até na quantidade de instrumentos que apresentam. Assim, há mais facilidade ou dificuldade na produção musical?
LC Na realidade, quantas mais conjugações fazemos, mais difícil se torna a tarefa de as equilibrar. Claro que, tal como na culinária, quantos mais ingredientes estimularem o nosso palato mais interessante fica a degustação. O nosso objetivo é encontrar este equilíbrio que sirva não só a música mas, essencialmente, as palavras.

Visto que a música é uma viagem, depois de terem passado por Espanha, por um concerto no Teatro Lethes, em Loulé, e de cruzarem tantas cidades e vilas no sul do país, que perspetivas têm para o vosso projeto?
MJ O nosso objetivo é que a música que exploramos nos conecte com um público vasto. Gostaríamos de chegar a tantas pessoas quanto possível. Vamos fazendo o nosso caminho ao nosso ritmo e com um único propósito maior: fazer uma canção mais bela que a anterior.

Houve algum concerto que vos ficasse marcado particularmente?
MJ Sem dúvida, o concerto no magnífico Teatro Lethes, em 2015. O próprio espaço é impactante, mas quando nos surgiu a sala lotada, ficámos realmente emocionados. Tecnicamente, para nós, não foi perfeito, mas foi o que nos encheu mais o coração. Falo por todos.

Acham que já atingiram a vossa plenitude musical?
LC É uma ideia assustadora pensar nessa possibilidade. Quase que posso equipará-la ao jogar a toalha ao chão por considerarmos termos feito tudo o que podíamos. Não creio que estejamos nesse ponto, e acredito até que estamos mais próximos de soar como gostávamos que soássemos há dez anos. Na realidade, a maturidade está a tornar-nos mais conscientes das nossas limitações, o que nos faz simultaneamente ver que ainda há muito caminho para andar.

Teatro Lethes, apresentação do primeiro álbum 2015 © André Nogueira

Tendo em conta a situação atual do mundo e a questão do confinamento que impede a realização de espetáculos, que perspectivas têm para o vosso grupo?
TM Esta pausa no ritmo, por vezes frenético, que as nossas vidas têm, tem sido aproveitado para agregar ideias que poderão dar origem a novas canções. Nesse sentido, o isolamento a que estamos sujeitos tem sido uma oportunidade que tentamos aproveitar da melhor forma.
LC No meu caso mentiria se dissesse que este tempo tem sido útil para reflexões mais profundas ou para aproveitar para fazer aquilo que até então não tive oportunidade. A pandemia, o isolamento social e a própria “quarentena” vieram ocupar o meu tempo em termos profissionais. No entanto, o trabalho de Esfinge está sempre presente no meu dia-a-dia e tem-se construído em conjunto ao longo destes anos. Como em tudo, com altos e baixos, pausas superiores a esta quarentena e momentos de trabalho que preenchem todos os outros dias que ficámos parados, Esfinge é e continuará a ser, para nós, o trabalho da nossa vida. A única coisa que desejo é que daqui a muitos anos possamos estar todos juntos com saúde e a escrever novas canções.
MJ Esta é uma fase (forçada) de reflexão. E, positivamente falando, fez-nos rever e conversar sobre questões que tínhamos que consolidar. Acho que quando voltarmos aos palcos e a estúdio será com mais consistência. Felizmente, durante os próximos dias, vamos anunciar um conjunto de concertos adaptados a esta nova realidade. Por isso, fiquem connosco.


FONTE Make It Happen   FOTOGRAFIA Epopeia Brands
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