Do mundo para o Algarve e Litoral Alentejano, vêm aí dois festivais

Numa realidade em que os muros erguidos talvez ultrapassem os que se deitam abaixo, parece ser através da música que se tenta reverter o cenário. A prová-lo, estão a chegar dois festivais que põem a tónica na coexistência de expressões musicais endógenas a várias pontas do globo: Festival MED, em Loulé, de 30 de junho a 5 de julho, e Festival Músicas do Mundo – FMM Sines, de 22 a 30 de julho.

 
 
 

Depois de um ano de interregno (2020) e de uma edição especial adaptada à pandemia, o interMEDio (2021), o Festival MED está de volta a Loulé com a sua 18ª edição, que decorre entre 30 de junho e 3 de julho.

 

Começou por andar à volta da Bacia do Mediterrâneo, zona onde recaía a pesquisa de nomes a trazer a Loulé, mas, pouco a pouco o Festival começou a abraçar outros pontos do globo. Este ano, são 23 as nacionalidades, sendo a Mauritânia uma estreia aqui protagonizada pela artista Noura Mint Symali. São elas que estão por detrás dos “quatro dias de festival, 90 horas de música, 66 concertos e 12 palcos; mais de 330 músicos”, nas palavras do vereador da Câmara Municipal de Loulé, Carlos Carmo, responsável pela apresentação do cartaz, no Cineteatro Louletano a 29 de maio.

A servir quase de prelúdio para o festival, Bia Ferreira marcou presença na apresentação. Há mais de 10 anos que Bia é proeminente voz brasileira, sobretudo no que diz respeito à defesa da comunidade LGBTQl+ e ao combate do racismo e da xenofobia. A fazer jus a essas lutas que são suas e torna nossas ao evocá-las durante os seus concertos, também do Cineteatro Louletano Bia fez um espaço de acendalha à reflexão e ao pensamento crítico, tendo por base os problemas do seu país onde, nas suas palavras, “a cada 23 minutos, um jovem preto é assassinado pela polícia”. Bia Ferreira é também a primeira confirmação para a edição de 2023 do Festival MED e um dos nomes do FMM Sines, sobre o qual abaixo se escreve.

 

Bia Ferreira ©

 

Programação

São quatro os palcos que compõem o Festival MED: Palco Chafariz, onde abre o festival, e onde as atuações têm lugar pelas 20h30, 22h30 e 00h30; Palco Matriz, com atuações pelas 22h15, 00h15 e 02h15 (palco onde se fecha cada uma das três noites de festival); Palco Cerca, com atuações pelas 21h15, 23h15 e 01h15; e ainda Palco Castelo, onde os concertos se dão pelas 21h30 e pelas 23h30.

No que diz respeito à programação objetiva, a 30 de junho dão-se, no Palco Chafariz, as atuações de Plasticine, pelas 20h30, Noura Mint Seymali, pelas 22h30; e Jupiter & Okwess, pelas 00h30. Já no Palco Matriz, Re: Imaginar Banda Monte Cara, pelas 22h15; Eskorzo, pelas 00h15, e Shkoon Live, pelas 02h15. Enquanto isso, os holofotes do Palco Cerca apontam para Criatura, pelas 21h15; Gyedu-Blay & His Sekondi Band, pelas 23h15, e ainda para Go_A, pelas 01h15. Por seu lado, são duas as atuações a ter lugar no Palco Castelo: Noiserv, pelas 21h30, e Nancy Vieira, pelas 23h30.

Passando ao segundo dia de festival, 1 de julho, o Palco Chafariz conta com Albaluna, pelas 20h30; Johny Hooker, pelas 22h30, e ainda Bombino, pelas 00h30. No Palco Matriz estreia-se Mallu Magalhães, pelas 22h15; Anthony B, pelas 00h15, e ainda Ghetto Kumbé, pelas 02h15. Ao Palco Cerca chega Viviane, pelas 21h15; Electric Jalaba, pelas 23h15, e Ikoqwe, pelas 01h15. Já o Palco Castelo conta com as atuações de Expresso Transatlântico, pelas 21h30, e ainda de N3rdistan, pelas 23h30.

A fechar o MED desde ano, o dia 2 de julho abre no Palco Chafariz, com o concerto de Oum Trio Mouthallat, pelas 20h30. Ainda neste palco têm lugar os concertos de Rodrigo Cuevas, pelas 22h30, e de Scúru Fitchádu, pelas 00h30. Para o Palco Matriz foram escolhidos Ayo, pelas 22h15; Chico Trujillo, pelas 00h15, e ainda Sylva Drums, pelas 02h15. Ao Palco Cerca sobe Maro, pelas 21h15; Victor Zamora & Sexteto Cuba, pelas 23h15, e ainda Manou Gallo, pelas 01h15. Antes deste, pode ainda ouvir-se O Gajo, pelas 21h30, bem como Aline Frazão, pelas 23h30, no Palco Castelo.

 

Novidades desta edição

O festival, “totalmente organizado por uma entidade pública” , move-se, no dizer de Carlos Carmo, pelo objetivo de envolvimento associativista, o que se materializa nos parceiros, como é o caso do Loulé Film Office, a cargo do qual está a produção do Cinema MED e ainda do trailer de promoção do Festival, no qual entram músicos e atores locais. O MED egressa com novos espaços “fora de portas”, e Cineteatro Louletano, Casa da Cultura, Casa do Meio Dia, Igreja Matriz e Biblioteca Municipal são alguns, extravasando assim o programa para lá da Zona Histórica que o vem acolhendo. A par disso, Palco Hamman, Jazz e Cine-concertos são outras novidades que pautam esta edição.

O Cineteatro Louletano junta-se pela primeira vez ao cartaz do MED para receber o concerto de abertura do Festival, com Lina_Raül Refree, no dia 29 de junho, pelas 21h00. É também esse espaço que, a 2 de julho, pelas 17h00, acolhe a peça “Chovem Amores na Rua do Matador”, escrita por Mia Couto e José Eduardo Agualusa (vencedor do Grande Prémio de Crónica e Dispersos Literários APE/CML).

Também a Literatura, setor que estava “um pouco adormecido”, ganha este ano uma nova dinâmica e atenção, ao ser desenvolvida também num novo espaço: a Casa da Cultura, recém-inaugurado edifício do Atlético, é também nova parceira do MED e vai acolher momentos de poesia, prosa e outros géneros literários.

Um outro “palco” externo ao recinto é a Casa do Meio Dia, que recebe, no dia 3 de julho, pelas 18h30, a conferência “Sustentabilidade Ambiental nos Festivais de Música”, organizada pela Autarquia de Loulé e pela APORFEST – Associação Portuguesa de Festivais de Música. A este momento chegam tanto oradores ligados ao jornalismo, como ao setor académico.

Há já alguns anos que o MED Classic, uma das ramificações do festival, vem trazendo ao interior da Igreja Matriz concertos de música erudita. No entanto, em resultado das obras de reabilitação que decorrem no edifício, este ano os concertos passam a decorrer na Igreja de S. Francisco, que acolhe, nos dias 30 de junho e 1 e 2 de julho, as atuações de Rui Mourinho, Ensemble com Spirito e Duo Acordeão e Tuba – Surrealistic Discussion. A 3 de julho, o MED Classic regressa ao recinto: nesse dia, Esenmble de Flautas e a Orquestra de Sopros e Percussão do Conservatório de Música sobem ao Palco Matriz, a partir das 21 horas. A curadoria fica a cargo do diretor do Conservatório de Música Professor Francisco Rosado, Sérgio Leite.

 

Rui Mourinho © João Neves dos Santos

 

Por sua vez, o Cinema Med, que decorre na Rua do Município (junto à Câmara de Loulé) e tem a curadoria do crítico de cinema Rui Tendinha e a produção do Loulé Film Office, traz este ano um novo modus operandi: os Cine-Concertos. Assim, os filmes exibidos serão musicados ao vivo, a partir das 19h15, mas o espaço contará paralelamente com a atuação de DJ sets, a partir das 22h15. Assim, a 30 de junho, exibe-se “Todo o Cinema do Mundo”, Cineconcerto por JP Simões, e ainda os DJ Rui Pedro Tendinha/Marie Lopes; já a 1 de julho, exibe-se “Sistema Sonoro”, por Bando à Parte, projeto de Pedro Bastos, Rodrigo Areias e Jorge Quintela, e ainda o DJ Pedro Ramos; a 2 de julho é a vez de “Dentre”, por Joaquim Pavão, bem como do DJ Pedro Ramos. Finalmente, a última noite (3 de julho) fica marcada pela apresentação de “Surdina”, com cineconcerto a decorrer pelas 22h30 e a cargo do ex-Dead Combo Tó Trips.

O Palco Hamman (palavra árabe para “banhos”) é uma outra novidade, e será erguido no logradouro (área exterior) dos recém-inaugurados Banhos Islâmicos de Loulé. Durante os dias do Festival o espaço arqueológico estará aberto para visitas guiadas, enquanto que as noites ficam entregues aos concertos de Suricata, Amar Guitarra e Terra Sul são os artistas que vêm pela música dar uma nova vida a este espaço.

 
 

Outrora dedicados ao Fado, os Claustros do Convento viram-se este ano para o jazz, ao serem espaço do MED Jazz, uma outra novidade desta edição. Heiko Bloemers, Vale, Marco Martins’Low Profile, Juliette Serrad, Maria Villanueva e Desidério Lázaro Quarteto são os concertos que têm lugar neste palco, o qual é desenvolvido com a parceria da Associação Cultural Mákina de Cena, contribuindo para o envolvimento associativista de que fala Carlos Carmo.

Contemplado está também o público infantil, para o qual o MED Kids volta a trazer atividades desenvolvidas pela Biblioteca Municipal, onde os pais poderão deixar as crianças, Associado à gastronomia volta a estar o Palco Arco, localizado nas traseiras da Igreja Matriz, e que será este ano animado pelos músicos residentes Eduardo Ramos, Marco Cristovan e Afonso Dias. Por sua vez, o Palco Castelo recebe, no dia 3 de julho, pelas 21h45, o “Open Day” (dia de entrada livre). A noite fica marcada pelo concerto do guineense Remma.

Além da Galeria de Arte do Convento do Espírito Santo e dos Claustros do Convento, que como habitual voltam a acolher exposições, este ano também a Rua do Município recebe uma instalação artística.

 

Pelo caminho da sustentabilidade

Durante a apresentação do cartaz, Carlos Carmo enfatizou ainda a sustentabilidade como uma das premissas que tem movido a atividade da autarquia e sido canalizada para o Festival MED: “fomos dos primeiros festivais a inserir um copo reutilizável, já tivemos espaços de restauração com alimentação energética através de painéis fotovoltaicos, pontos de água potável da rede, tentando diminuir também com essa medida o uso de plásticos; dispensadores para que não haja deposição de beatas nem de pastilhas elásticas no chão, papeleiras inteligentes, entre outros.” Estas iniciativas, acrescenta o vereador, “foram mais que uma vez reconhecidas pelo fundo ambiental”, e a estas foi já atribuído o Selo Verde, que reconhece as boas práticas em festivais de Música.

 

 

FMM Sines – Festival Músicas do Mundo

Por seu turno, a 22ª edição do FMM Sines – Festival Músicas do Mundo decorre de 22 a 30 de julho, sendo que de 22 a 24 de julho está instalado na aldeia de Porto Covo, transitando, no dia 25, para a cidade de Sines, onde permanece até dia 30. 

De acordo com a organização, “o festival regressa alinhado com os princípios de representatividade geográfica, estética e cultural que o orientam desde a sua origem, com artistas de 27 países e regiões e uma grande variedade de estilos e pontos de vista”, sendo Lakha Khan, embaixador da música do Rajastão, na Índia, o artista que chega de mais longe. Lakha é um dos atualmente raros tocadores de sindi sarangi, um violino popular capaz de “emular” a voz.

 

Lakha Khan © Madou Sidiki Diabate

 

Há também nesta edição um condão feminista, ao chamarem-se 19 mulheres para o festival, oriundas sobretudo do Brasil (Ava Rocha, Bia Ferreira, Marina Sena, Letícia Novaes, ou Letrux, artista atenta e sensível à defesa dos direitos das mulheres e das minorias), e de países da América Latina: do Chile vem Ana Tijoux, que a Sines vem apresentar “Antifa Dance” - disco marcado pela crise social que deflagrou nesse país em outubro de 2019, e ainda Pascuala IIaabaca, cantora e acordeonista de Valparaíso e que ao palco do FMM sobe acompanhada pela banda Fauna. Por fim, de Cuba vêm Daymé Arocena e Omara Portuondo, a qual merece alguma ênfase: depois de trocar os cabarets da sua Havana natal para diversos auditórios de renome pelo mundo, tendo, pelo meio, integrado o projeto Buena Vista Social Club – no qual incidiu o documentário homónimo, realizado por Wim Wenders em 1999. Aos 91 anos, Omara é hoje um símbolo da música cubana, e o concerto o FMM entra assim na rota programada para uma digressão mundial, e que é de despedida dos palcos, o que torna este concerto ainda mais único.

 

Omara Portuondo ©

 

Do Quebeque vem Dominique Fils-Aimé, cantautora filha de pais imigrantes do Haiti e que tem vindo a explorar o universo de músicas afroamericanas, deixando-se absorver pelas influências do blues, do jazz e do soul. Já a ilha Reunião é representada por Maya Kamaty, que ao maloya - música tradicional dessa região, empresta uma nova roupagem por via da eletrónica. De fora não ficam o tuaregue Mdou Moctar, os nigerianos Seun Kuti & Egypt 80, e ainda Etuk Ubong, músico francês em processo de religação às suas raízes camaronesas (James BKS).

Pela terceira vez, o FMM recebe ainda Aline Frazão, cantautora angolana que traz consigo o disco "Uma Música Angolana", reencontro com uma paleta de ritmos "que vão desde a massemba angolana ao batuku cabo-verdiano, passando pelo maracatu e o afoxé do Brasil". Também de Angola vem Pongo, cantora residente em Portugal desde os oito anos e conhecida pelas suas colaborações na cena kuduro lisboeta, nomeadamente com Buraka Som Sistema. A Sines traz o seu novo álbum, "Sakidila".

De Portugal vem Dulce Pontes, que se estreia no FMM Sines na sequência do lançamento de "Perfil", através do qual regressa às raízes, algures entre o Fado e a música popular portuguesa, não relegando a influência de géneros como o jazz. A Dulce Pontes junta-se Sara Correia, uma das grandes e mais recentes vozes do Fado, bem como Club Makumba, Paulo Bragança, Pedro Mafana, Simply Rockers Sound System e Fado Bicha.

De Espanha vem Maruja Limón, quinteto feminino de flamenco e marcado pela fusão com a pop e diversos ritmos latinos. O concerto no FMM Sines terá como pano de fundo o disco "Vidas", lançado este ano. Também desse país vem Angélica Salvi, harpista radicada no Porto e dedicada à improvisação e na música eletroacústica, através das quais explora várias técnicas de preparação e amplificação do instrumento, na busca de novos timbres e sonoridades. Deste país vêm ainda Albert Pla, Baiuca e Niño de Elche. Uma nova abordagem ao fado junta Portugal e Espanha no duo Lina_Raül Refree.

 

Maruja Limón ©

 

De França, eis Lucie Antunes, que tem na percussão o core da sua musicalidade, através da qual cria labirintos sonoros com como o vibrafone, a celesta o glockenspiel, as ondas Martenot e a marimba. De Paris vem Crystal Murray, que aos 19 anos é uma estrela em ascensão na pop alternativa francesa.

Entre o Mediterrâneo e o Cáucaso, com paragem pelo Mar Negro, em palco estarão a artista grega Marina Satti, o grupo bósnio Dubioza Kolektiv, a banda cigana romena Taraf de Caliu, a dupla franco-arménia Ladaniva e o encontro circassiano Zaur Nagoy + Jrpjej.

Também os cruzamentos geográficos em encontros intercontinentais voltam a ser considerados pelo FMM, sendo exemplos, este ano, os projetos Batida B2B DJ Dolores (Portugal / Brasil), Guiss Guiss Bou Bess (Senegal / França) e KUTU (Etiópia / França). O cartaz contempla ainda dois agrupamentos sedeados na Bélgica: Flat Earth Society Orchestra e a banda multinacional de sabor colombiano La Chiva Gantiva, bem como um representante da movida multicultural de Londres: Steam Down.

Além do programa de concertos, o FMM Sines oferece um programa de iniciativas paralelas, com concertos especiais, exposições, conferências, sessões de contos, encontros com músicos e escritores, masterclasses, cinema, visitas guiadas, feira do livro e do disco, espetáculos para a infância e ateliês para crianças com artistas do festival.

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