De um pensamento sobre “o belo, o sustentável e o inclusivo” se faz o Festival AL-Bauhaus, em Faro

Do objetivo de celebrar o movimento Novo Bauhaus Europeu nasce “The Festival”, movido pelo intuito de reunir cidades europeias e pessoas de variados setores de atividade para debater e pensar o futuro. Em Faro, o encontro dá-se hoje, a 9 de junho, a partir das 15 horas, na Associação Recreativa e Cultural de Músicos (ARCM).

A programação conta com workshops, exposições, um quiz e momentos de debate e open mic. Fala-se de Arquitetura, Habitação, Estratégias Culturais Digitais, Tecnologia, Crowdfunding e Sustentabilidade, temáticas abordadas por um polivalente conjunto de oradores e agentes nelas especializados, contribuindo assim para um pensamento multidisciplinar e coletivo, através do qual se tenta responder a questões como “como habitar o algarve?” e “qual o papel da comunidade no financiamento de intervenções necessárias à sua cidade?”.

Por detrás da organização do evento estão Sofia Martins e Isadora Justo, as quais, além do grupo Al-Bauhaus, integram a equipa de Faro 2027. Conversei com Sofia e Isadora, que contam como surgiu este festival, o que procura, e qual o significado que traz à cidade e à região.

 

Da ideia à concretização

Segundo Sofia Martins, este festival vem de um processo prévio – o Movimento Novo Bauhaus Europeu (The New European Bauhaus), o qual “logo que iniciou a nível europeu nos chamou muito a atenção. Fazíamos parte da equipa da candidatura de Faro a Capital Europeia da Cultura, que, na altura, era ainda uma das cidades candidatas. Este movimento tinha muito que ver com o mobilizar do setor cultural e criativo, bem como das organizações da sociedade civil, para que, tendo por base um pensamento inter-setorial, se construíssem coisas ao nível de Design e da Arquitetura que fossem belas, sustentáveis e inclusivas. Estes três valores faziam-nos muito sentido – sempre considerámos que era na base destes três pilares que queríamos trazer um desenvolvimento cultural para o Algarve, e assim alavancá-lo ao nível social, económico, ambiental, entre outros”. A partir desse momento, Sofia e Isadora perceberam que havia um grupo de parceiros que também estavam atentos a este movimento internacional, nomeadamente a Associação de Designers do Sul (ADS), a Associação Al Mouatamid Ibn Abbad, e a Europe Direct Algarve: “eles também já tinham conversado entre si sobre o movimento, e nós juntámo-nos, em 2021.” A partir desta colaboração, à qual se juntou a Universidade do Algarve, começou-se então a pensar “nalgumas iniciativas que permitissem aproximar este movimento à comunidade algarvia e descodificar diante dela aquelas que eram algumas oportunidades que este movimento pressupunha. Perguntámo-nos: como podemos aproximar os agentes do Algarve deste movimento e ajudá-los a perceber melhor como podem contribuir?” Nessa altura, desenvolveu-se uma sessão online de esclarecimento, e houve ainda a representação da Comissão Europeia em Portugal, bem como uma Round Table da European Bauhaus. A partir daí, criou-se “um grupo de pessoas interessadas, e organizámos uma sessão de Co-Design no Museu do Traje, em São Brás de Alportel. Ao longo de uma manhã estivemos inspirados em torno de outros projetos belos, sustentáveis e para todos; a co-desenhar novas ideias para o Algarve.” Criou-se também uma galeria de projetos inspiradores, para qual “tentámos atender à diversidade de projetos e identificámos projetos que já existiam no Algarve e que correspondiam, de alguma forma, a estes três princípios, e que podiam ser abrangentes e diferenciadores o suficiente para perceber que o movimento é muito alargado: toca tanto na criação de disciplinas ao nível académico, como em projetos de Arquitetura e que dão respostas sociais a comunidades desfavorecidas”, nas palavras de Sofia Martins.

 
 

Mas, como se deu a implementação deste movimento no Algarve? Tudo começou quando a European Bauhaus lançou o The Festival, que acontece agora em Bruxelas, com a Comissão Europeia, bem como o convite às cidades europeias de desenvolver também nelas eventos laterais. Uma oportunidade que, diz Sofia, tinha de ser agarrada: “quisemos aproveitar este movimento e esta oportunidade para juntar estes parceiros, deixar uma marca, tocar em questões que achamos pertinentes e pôr as pessoas a falar de assuntos que lhes interessam, dentro destes princípios. Quisemos também lançar uma marca deste movimento, e assim nasceu a AL-Bauhaus – um Algarve belo, sustentável e para todos.”

Questionada sobre as motivações deste festival, Isadora Justo refere que “o nosso objetivo passa também por permitir que este grupo de trabalho, o qual é informal (todas as pessoas envolvidas são voluntárias) e constituído por arquitetos, professores, administrativos de entidades públicas, designers, entre outros, angarie mais pessoas através deste festival.” Por essa razão, “queremos também apostar no networking, para que o grupo possa crescer, construir coisas e deixar uma marca, independentemente de Faro não continuar no processo de candidatura a Capital Europeia da Cultura”, acrescenta.

 
Quando falamos de “inclusivo”, é no sentido de ser acessível a toda a gente. De contemplar espaços para pessoas de diferentes gerações, com diferentes perfis, níveis socioeconómicos, idades, géneros, preferências. Possibilitar que todas elas se possam juntar.

“Belo, Sustentável e Inclusivo” são os três vetores que norteiam este movimento e, por inerência, o festival. Como foram eles canalizados para este evento em particular; conciliados com aquelas que são as questões locais e as preocupações regionais; abordados através das áreas temáticas e respetivos oradores escolhidos? Sofia Martins esclarece que “tentámos ao máximo dividir a programação do evento entre os parceiros. Por essa razão, a Talk está a ser mais organizada pela Ordem dos Arquitetos.”

Sofia demora-se no significado do terceiro vetor: “quando falamos de “inclusivo”, é no sentido de ser acessível a toda a gente. De contemplar espaços para pessoas de diferentes gerações, com diferentes perfis, níveis socioeconómicos, idades, géneros, preferências. Possibilitar que todas elas se possam juntar. Queremos que seja um evento inter-geracional”. Para atender a este princípio, “vamos começar o evento com um workshop de desenho criativo com crianças do segundo ano do Jardim-Escola João de Deus.” Depois, “passamos para um momento “Open Space”, que advém da Open Space Technology, uma metodologia de debate livre, em que há um mote / tema principal, mas que permite aos participantes decidir o que querem falar de específico sobre esse mote.” Neste caso, o mote trata-se de “Novos Espaços Culturais para o Algarve que sejam Belos, Sustentáveis e para Todos”, e é em torno dele que se abre um pequeno debate coletivo sobre temas específicos que urjam pensar dentro deste grande tema. Por exemplo: “acreditamos que a Fábrica da Cerveja, como edifício emblemático de Faro, possa ser levantada; acreditamos que deve ser debatido o facto de o nosso curso de Artes Visuais da Universidade do Algarve não ter um espaço de trabalho; acreditamos que há outros espaços abandonados e devolutos no Algarve que deviam ser transformados em espaços abertos para todos”, exemplifica Sofia, acrescentando que, para participar neste momento de Open Space, convidaram-se ainda “vários alunos da Universidade do Algarve e outros estudantes do ensino secundário.”

 

Também a restante programação contempla momentos em que “o belo, o sustentável e o inclusivo” se representam. "Depois do Open Space, inauguram-se várias exposições. Uma delas surge com o título “lixARTE – transformar o lixo em Arte”, na qual se apresentam “seis tapeçarias artísticas criadas por seis turmas de escolas secundárias de Faro e Olhão, a partir do lixo que recolheram nas praias das nossas costas. Construíram essas tapeçarias com o apoio e curadoria de alguns artistas locais”, conta Sofia, ao que Isadora Justo acrescenta que, “para enquadrar as pessoas no processo que esteve na base, teremos uma exposição de fotografias tiradas pelos alunos durante a recolha de lixo. No fundo, vai funcionar quase como um teaser à exposição das tapeçarias.”

Há ainda a exposição do Prémio Regional de Arquitetura do Algarve, que, diz Sofia, “cada vez mais se orienta por princípios ligados às questões do Novo Bauhaus”; apresenta-se ainda “O Bioco”, uma obra de Joana Bandeira Rocha, inspirada nesse traje típico de Olhão e que foi construída “com base em plásticos, tecidos e desperdícios de outros materiais. É uma peça que reúne várias técnicas tradicionais, como o crochet, e que, nas palavras de Isadora, “além de ser muito bonita e baseada no reaproveitamento de materiais, esta peça visa também esta democratização do ato cultural - de explicar a nossa etnografia.”

Há ainda a exposição “Ria Formosa: amor litterae”, por Guilherme Gonçalves, “artista que aproveitou um teaser que fizemos para a candidatura de Faro a Capital Europeia da Cultura, nomeadamente as nossas t-shirts de promoção da candidatura. Desafiámos alguns artistas a recriar e a redesenhar o círculo das t-shirts, e a canalizar a sua inspiração e a sua criatividade para esse redesenhar essas t-shirts. O Guilherme fez um desenho lindíssimo da biodiversidade da Ria Formosa. Publicou esse trabalho no Facebook, onde começou a ter muito sucesso e visibilidade, com pessoas a pedirem-lhe que o fizesse também com t-shirts caídas em desuso. É um projeto que está ainda em fase de desenvolvimento, mas a progredir em largos passos.” Trata-se, pois, de um trabalho que “concilia a parte da Economia Circular, através do reaproveitamento de materiais, com toda a parte de educação ecológica e sustentável”, explicam Sofia Martins e Isadora Justo.

 

© Guilherme Gonçalves

 

De parte não fica o “Upcycling Clothes and Minds”, website levado a cabo pela Associação Amarelarte, em parceria com outras associações europeias e que, também no âmbito da economia circular, tem que ver com o aproveitamento de peças de vestuário e com a sua recriação. “Há este âmbito social de recriar e reutilizar coisas, e também de educar para a questão da poluição provocada pelo consumismo desenfreado, principalmente pela indústria da moda, que é uma das mais poluidoras do mundo”, relembra Isadora, acrescentando que, a par do website, “há a nossa própria galeria de projetos inspiradores Al – Bauhaus, que vai ser projetada para que as pessoas possam conhecer esses projetos, para que este evento também possa inspirar outras pessoas a se juntarem a este movimento europeu e para que cada vez mais tudo o que acontece no Algarve tenha estas três dimensões: belo, sustentável e inclusivo.”

Entretanto, a par das exposições, será projetada numa outra sala o Festival em Bruxelas, a fim de estabelecer essa ligação internacional, premissa basilar deste movimento.

 

Como é que a Sociedade Civil pode financiar pequenos projetos de transformação de espaços públicos da cidade?

Como é que podemos repensar a estratégia de habitabilidade no Algarve?

Depois das exposições, há três momentos de “Open Mic”, todos eles relacionados com questões da New Bauhaus, e que Sofia avança: “um tem que ver com o Crowdfunding cívico – uma estratégia de crowdfunding que está a ser desenvolvida em parceria com o Banco Nacional de Itália, e vai apresentado por Cláudio Calveri, um dos consultores da Candidatura de Faro 2027 na parte da estratégia digital (é especialista em estratégias digitais, essencialmente ligadas à Cultura). Calveri vem falar um pouco sobre estas novas ferramentas digitais, o que faz sentido uma vez que o Novo Bauhaus Europeu, ao nível de movimento, se tem deslocado também para essa vertente. Como é que a própria Sociedade Civil pode financiar pequenos projetos de transformação de espaços públicos da cidade? No fundo, falamos de novas formas de conseguirmos novos financiamentos; de estarmos menos dependentes de grandes empresas, para que as pessoas possam financiar intervenções que são necessárias à sua cidade, que mudam a sua vida e a sua paisagem.”

Um outro momento fica a cargo de Mariana Pestana, arquiteta da Universidade de Lisboa, que “vem falar sobre o Novo Bauhaus do Mar.” Isto porque, explica Sofia, “na altura da presidência de Portugal no Conselho da Europa, Portugal lançou o Novo Bauhaus do Mar. Então, a Mariana vem falar sobre o que dentro dessa temática se tem estado a desenvolver. De forma sintética, tratam-se de todos os princípios dos quais estamos a falar, mas aplicados ao mar e aos oceanos.”

Por sua vez, José Brito vem falar-nos “sobre o que é habitar hoje em dia no Algarve. É muito difícil habitar no Algarve, mas nós podemos também governar as nossas paisagens. Esse é precisamente o tema da sua intervenção. Nas zonas urbanísticas é muito complicado arranjar alojamento, como também a nível também das nossas zonas rurais, mais desertificadas – como é que podemos repensar esta estratégia de habitabilidade no Algarve? Tendo também em conta que, ao nível da habitação, somos a região mais pobre de Portugal.”

Essa questão, salienta Isadora, vira depois mote para a Talk, um dos grandes momentos do evento, o qual “se debruça na questão da construção e reconstrução”, e “é moderada pelo arquiteto José Alegria, que tem trabalhado em Marrocos e muito sobre a arquitetura algarvia (nomeadamente sobre os materiais autóctones do Algarve, do aproveitamento da águas nos edifícios”. José Alegria vem “falar dos materiais, porque essa é uma questão importante: toda esta construção desenfreada vem dos clusters que há na cidade, mas o reaproveitamento de edifícios antigos e abandonados tem que ter em conta cuidados – dentro deles, os materiais que são utilizados.” A Talk tem ainda três convidadas: Adriana Nogueira, Diretora da Direção Regional de Cultura do Algarve (DRCA); Lurdes Carvalho, da CCDR, ligada à parte do Desenvolvimento Regional, e que “poderá falar um pouco sobre o financiamento que pode haver para projetos deste género, bem como sobre que projetos tem a CCDR para atender a estas questões”; e ainda Teresa Valente, responsável pelo serviço de Regeneração Urbana da Câmara Municipal de Faro, e que “se tem debatido bastante pela questão do Património e da manutenção de boas práticas arquitetónicas no Algarve, principalmente na área do Modernismo.”

 

Entre ocaso e amanhecer

Tendo em conta que na ACRM, local onde deecorre todo o evento, também existe serviço de restauração, rumamos ao fim da noite “com um momento mais descontraído, para o qual desafiámos duas “influencers” da região, digamos assim, organizar um quiz. É uma altura que convida as pessoas a sentar, a beber um copo ou até a jantar. São jovens, o que fomenta o nosso objetivo de tornar o evento inter-geracional. Além disso, estão ligadas a projetos relacionados com as questões transversais ao evento: a Joana Jesus tem o “Peanuts”, projeto de poupança criativa, uma área sobre a qual tem dado vários workshops, e a Maia, que trabalha na área da moda e se preocupa muito com estas questões da sustentabilidade e da reutilização. Elas inverteram o conceito do Bauhaus: o Quiz chama-se “Quem nunca?: Feio, Insustentável e Individualista”, e que visa tentar mostrar às pessoas como é que no seu dia-a-dia, através de pequenas e simples ações, podem contribuir também para este movimento”, desvela Sofia.

O convite de assistir às talks, às conferências e a ver as exposições - as quais ficam abertas durante a noite (ARCM estiver aberta) é aberto a todos, inclusive o momento de Open Space Technology, e estende-se noite adentro aos mais noctívagos: “quem quiser continuar connosco, teremos ainda o DJ Set de Renato (aka Renato) para celebrar o Novo Bauhaus Europeu, dançar e beber copos!”

Por fim, Isadora ressalva ainda que é importante referir “que todas estas pessoas que participam no projeto se voluntariaram a participar com o seu saber. Todas as pessoas que estarão a falar, a expor, a trabalhar - mesmo as “influencers”, fazem-no a título gratuito. É algo paradigmático deste movimento europeu, e o primeiro passo para que as pessoas cheguem até ele.”

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