“Feedback” é um reencontro da terra, do lugar da escuta, de desaceleração do tempo

São dimensões e paisagens, às quais somos chamados, conduzidos por um corpo em movimento e por um microfone – pelo que ambos abrem e dão acesso por via da manipulação do som em tempo real. É algures no cruzar destas linhas que nasce “Feedback”, criação da Circolando - Cooperativa Cultural, com a direção artística de André Braga e Cláudia Figueiredo, e financiada pela Direção Geral da Artes (DGArtes). Depois da residência artística em Cabo Verde, onde esteve em novembro de 2021, é hoje, dia 4 de março, que estreia no Teatro das Figuras, em Faro, pelas 21h30.

Corpos des-hierarquizados. Corpos que emanam som, corpos que o escutam. O coabitar desse som com o corpo, numa procura de novas gramáticas sensoriais. “O corpo tem geometrias e formas que ninguém ouve”, mas é aqui, em «Feedback», que a escuta se assoma como instrumento de encontro.

Perante um tempo em que a imagem ferve em catadupa e quase anestesia à dor d­­o outro, ao “olhar o sofrimento dos outros” de que nos fala Susan Sontag, que lugar ocupa em nós o medo de deixar a sensibilidade morrer? Será pelo som, pela arte, pelo corpo, que se conserva o sensível? Que novas “gramáticas de sensibilidade” são ou podem ser estas que se procuram em «Feedback»? São gramáticas que carregam um apelo à escuta; “um reencontro da terra, do ar – do ouvir o ar, o presente.” Em «Feedback», “há uma desaceleração do tempo muito grande. Muita respiração, muitas nuvens. Elas são palpáveis, ao mesmo tempo são ancestrais - podem ir mais atrás no tempo, são da Humanidade”, diz-nos André Braga. O tempo da imagem fervente é também o tempo do ruído que nos conspurca e enche e obriga a triar o que nos chega. Talvez por isso, esta desaceleração do tempo em «Feedback» nos sugira uma resistência, “um esvaziar de pensamentos, do corpo, de conceitos.”

A par disso, acrescenta, “queremos que haja um lado térreo: por isso é que trouxemos uma história que cruza um pouco a realidade com a ficção: há um avô, presença humana, que traz este lado mais térreo, mais humano, de uma realidade que se cruza com a filosofia e com a poesia que nos abre. Este avô traz-nos mais à nossa vida, a nós.”

«Feedback» é interpretada por André Braga, tem o som de João Saradas, desenho de luz de Cárin Geada, direção de produção de Ana Carvalhosa, produção de Cláudia Santos e coordenação técnica de Pedro Coutinho.

Além do Teatro das Figuras, tem a coprodução do Teatro Municipal do Porto / DDD - Festival Dias da Dança, e do Teatro Académico Gil Vicente, onde chega a 1 de abril.

Fotografia: Queila Fernandes

Circolando - Cooperativa Cultural nasceu em 1991, por desejo de André Braga e Cláudia Figueiredo. Volvidos 20 anos, da vontade de ressignificar “uma parte deste pólo desativado” do Porto, a CRL – Central Elétrica, foi lá que se instalou no ano passado. Hoje, CRL funciona como centro de residências e criação artística, que pulsa e gera outras formas de energia: “lugar de programação, de encontro entre a Arte - entre performance, teatro, artes plásticas, música, entre outros.” É através desta linha transdisciplinar que a estrutura tem vindo a atuar, sempre “aberta e conectada com os projetos de muitos mais artistas”, até porque, no cerne está a ideia de laboratório permanente - de “lugar para investigar, experimentar, criar e compartilhar. Um lugar para o risco, para o desenvolvimento de ideias e teste de possibilidades. Um lugar de cruzamento de gerações e geografias, de encontro de artistas em diferentes fases do seu percurso: mais ou menos emergentes, mais ou menos consolidados.”

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