João Firmino: “o lado mais esperançoso do disco está simbolizado na ‘Semente’ - algo que escolhes plantar para depois colher

​Do jazz para o indie-rock, com a voz, guitarra e composição de João Firmino (Pir); teclas e coro de Margarida Campelo e Joana Espadinha; baixo de António Quintino e bateria de João Pinheiro, os Cassete Pirata são uma banda portuguesa formada em 2016.
Da discografia dos Cassete Pirata fazem parte o EP homónimo de 2017; A Montra, de 2019, e A Semente, lançado este ano e apresentado ao palco do Festival *SIGA*, em Faro, na passada noite de 27 de novembro. Faltava João Pinheiro para completar o quinteto que se reuniu no camarim, ainda assim a Make It Happen foi para junto dos restantes membros de Cassete Pirata, e a conversa foi assim:

Make It Happen (MIH) – Como é que nasceram os Cassete Pirata?
João Firmino (JF) –
Por volta do final de 2015, decidi começar a trabalhar com canções. Antes disso, estive mais ligado ao jazz, como guitarrista. Já tinha trabalhado com quase todos noutros projetos, e daí tê-los chamado para a banda. Começámos a ensaiar e tivemos o nosso primeiro concerto a 14 de abril de 2016.
O nome foi um desespero. Já tínhamos esse concerto marcado, mas ainda não tínhamos nome. O Quintino, nosso baixista, teve esta ideia, e achámos que o nome se ligava com a nossa música.

A mim, como autor, faz-me sentido a cantiga como arma.

MIH – Vocês partilham um passado muito ligado ao jazz… mas, em Cassete Pirata, há uma mescla de outros géneros, como o indie rock. Como se deu esta transformação?
JF – O projeto surgiu precisamente da vontade de não estarmos só ligados ao jazz. Alguns de nós fazemos colaborações com outros projetos com os quais continuamos ligados. Acho que a presença de alguma influência do jazz é quase inevitável, porque somos todos músicos com essa formação. Na estrutura do projeto, mesmo que não se sinta às vezes tanto nas influências musicais, faz parte de nós, da maneira como trabalhamos, na facilidade que temos…é muito difícil de desligar. Mas, preocupações como a de ter elementos jazzísticos, como a improvisação, não as temos! Acho que viemos cair nesta casa precisamente para não estarmos tão presos a isso. ​

MIH – O tema “Pirâmide” traz-nos uma reflexão sobre desigualdade social. Diriam que esta sensibilidade a nuances políticas é transversal aos restantes temas de “Semente”?
JF – Esse foi dos primeiros temas a ser composto, antes de o álbum A Semente estar desenhado. Por isso, foi um tema que direcionou o álbum para esse sentido. No primeiro disco já tínhamos algumas canções com esse lado mais interventivo, mas este, mais que o anterior, tem essa vontade: não tanto de apontar o dedo, mas de fazer essa reflexão. Na música que ouvimos e que nos influencia, outros autores fizeram, no seu tempo, a sua reflexão. A mim, como autor, faz-me sentido a cantiga como arma.
​Se as primeiras canções de Cassete foram mais numa onda nostálgica e de falar mais sobre amor, emoções e amizades, nos últimos anos, também em resultado de tudo o que está a acontecer no mundo, somos bombardeados por todos os lados com questões sobre o Clima, por exemplo. Estamos todos a tentar perceber que estilo de vida moderna é este. Era algo que estava todos os dias na minha cabeça. Por isso, para mim, foi um pouco inevitável querer falar sobre isso.

‘Semente’ está ligado ao facto de o álbum, apesar do tom crítico, não ter como foco arranjar culpados, mas fazer a reflexão sobre os desafios que a nossa geração tem por resolver.

MIH – "Semente" é uma metáfora para alguma coisa?
JF – “Semente” está ligado ao facto de o álbum, apesar do tom crítico, não ter como foco arranjar culpados, mas fazer a reflexão sobre os desafios que a nossa geração tem por resolver. Focar no futuro de uma forma positiva: nas sementes que queremos plantar, nas mensagens e no mundo que queremos deixar aos nossos filhos e às próximas gerações. O lado mais esperançoso do disco está simbolizado na “Semente” – algo que tu escolhes plantar para depois colher.

MIH – Como foi o processo de montar o álbum à distância?
JF – Essa parte foi simples porque nós já tínhamos trabalhado à distância, antes da pandemia. É algo que a internet e a tecnologia nos permitem: na pré-produção, fase de "maquetes", digamos assim, cada um foi enviando partes, e fomos montando. Depois, fomos para o estúdio. A parte mais estranha foi o facto de termos deixado de tocar ao vivo devido ao confinamento, e ter sido mais difícil experimentar e ensaiar as músicas ao vivo. Nesse sentido, foi um processo um pouco mais isolado. São as dores de alma de autor: a página em branco é assim, por vezes...transforma os dias em dias maus.

MIH – Há algum tema que vos tenha dado ou dê mais prazer? De compor, de tocar, de ouvir…
Joana Espadinha (JE) – Quem escreve as músicas é o Firmino. Nós acabamos por dar o nosso contributo nos ‘pós’, quando ensaiamos. Sou suspeita, mas gosto de todas as canções do disco. Gosto particularmente da Só Mais uma Hora, porque as pessoas acabam por ficar a cantar connosco no final dos concertos e está a ganhar uma mística nova.
António Quintino (AQ) – Já no nosso disco anterior, "A Montra", houve temas que me chegaram mais rápido, e outros que me chegaram com mais intensidade, mas mais tarde. Isso voltou a acontecer agora, n' A Semente: a Tudo Faz Parte chegou-me mais tarde do que a Só Mais uma Hora. A minha preferida é a A Árvore. Muito calminha, nostálgica e contemplativa, ao mesmo tempo. Faz-me sentir. Já a tocámos ao vivo, mas é uma música que não é tão feita para concertos, é mais de disco.
JF– Por vezes, tiro-a dos concertos porque, com aquela adrenalina toda, é muito difícil criar um momento mais intimista, de repente.
MC– Também gosto muito da Brisa Solar.

MIH – Que tipo de público preferem? Uma sala grande, uma mais intimista?...
MC – Acho que não passa tanto pelo palco: tem a ver com o espírito de cada concerto.
MC – Tivemos na verdade dois incríveis! Quando lançámos o disco, tivemos um no Teatro Maria Matos e outro no Maus Hábitos, no Porto. São dois espaços completamente diferentes, mas foram igualmente especiais. Sentimos que as pessoas estavam realmente felizes por estarem ali! Estavam super presentes, mas com energias diferentes. Num auditório temos de estar assim, como estamos agora: sentadas; nos Maus Hábitos foi a loucura!
JE – Apanhámos a onda em que as pessoas voltaram a sair à noite, e sentia-se também essa felicidade por poderem ver um concerto ao vivo.
MC – Na verdade, os nossos concertos prestam-se muito mais a públicos de pé. Não têm de ser clubes, mas público de pé faz muito mais sentido do que sentado.

MIH – É música mais para pular do que contemplar? Contemplar a pular?
JF–Quando começámos a banda, eu nunca tinha cantado, nunca tinha sido froontman. Ver as pessoas sentadas, como se estivessem num auditório, era uma sensação muito intimista. Não é que não funcione em auditório, mas, mesmo que alguém não conheça a banda ou adore este estilo de música, se estiver pé e com uma cerveja na mão dá para se envolver de outra maneira. Quem vai e fica sentado, perde um bocado; o espírito não rola. Somos muito felizes quando temos oportunidades de tocar em clubes e em festivais maiores. Mas também temos tido concertos incríveis em auditórios.

MIH – Como é que lidam com um público passivo? Por mais subjetivo que seja, porque o público pode estar “passivo”, mas a contemplar a música – ainda que o não percebamos…
JF – Podes só perceber nas últimas duas músicas que, afinal, a pessoa que esteve parada até então, quase no fim do concerto é que reage.
Se eu estiver num dia com energia, dá para quase atropelar essa sensação, abstrair-me e seguir. Mas, nem sempre estás bem. Para mim, até pelo hábito de ser guitarrista e não estar à frente, fica mais fácil ficar só concentrado na música e pensar “vou entregar a música”, fica muito mais difícil estar a fazer essa cena de puxar pelo pessoal quando também tu estás em baixo. Sendo que é a tua função, a nossa função. Por vezes não é fácil. Sobretudo nos primeiros anos… agora já aparece malta que sabe as canções, que já ouviu… nos primeiros anos em que ninguém conhecia as músicas era duro. Mas é também assim que se ganha calo e se fica mais descontraído e mais confiante.

MIH – João, foste responsável pela banda sonora de "Bruxa de Arroios", curta Metragem Manuel Pureza. Que preocupações existem na composição de uma música que vai acompanhar uma imagem, que não existem num momento "normal" de composição, em que estás liberto dessa pressão?
JF – Eu já era amigo do Manuel, até porque somos ambos de Coimbra, e ele pediu-me para musicar essa curta metragem. É um exercício diferente na medida em que há muitos momentos em que é suposto que a música tenha outra função que não a da canção pura e dura, em que há palavra e há história. Por vezes, nesses casos, ela não pode roubar muita atenção. Dessa vez o desafio era arranjar uma narrativa que conseguisse reforçar o que ia acontecer, mas que, dissimuladamente, levasse a pessoa que está a ver para um certo sítio, para uma certa emoção, mas não de uma forma tão direta como a canção. A canção popular tem uma arquitetura muito específica que a faz funcionar há centenas de anos. Quando estamos a compor uma canção, as preocupações são outras, como a de arranjar um bom refrão.

MIH – Dirias que há mais liberdade?
JF – Depende da perspetiva pela qual vemos a liberdade. Se calhar, na composição de uma música instrumental para uma curta, há imensa liberdade no sentido de poder ser mais subjetiva; mas, na criação de uma canção temos também a liberdade de, por exemplo, repetir uma mesma frase ad aeternum até que as pessoas acabam por ficar tão coladas a essa frase, que vão com ela na cabeça para casa. São mundos diferentes, mas ambos me cantivam imenso.

MIH – Planos para o futuro?
JF – Passam por continuar a tocar A Semente. Vamos gravar um próximo disco, mas, antes disso queremos apresentar este. O disco foi composto no meio da confusão toda do vírus e do confinamento; entretanto, fomos pais. Não estive super disponível, por isso, da minha parte, talvez tirar umas férias dessa pressa.
No início, tínhamos um público de gerações mais para a frente, pessoal que gosta de rock antigo e que se calhar o encontra um bocadinho dos ingredientes desse estilo na nossa banda. Mas, neste concerto do Porto, começámos a ver malta mais nova. Por isso, gostávamos de entrar no circuito de festas académicas, como Queimas das Fitas. Talvez seja o próximo passo que queremos dar.


FONTE Make It Happen   FOTOGRAFIA Alexandra Farinho / Epopeia Brands
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