Leonor Andrade: “Apesar de eu ser a única mulher da banda, todos nós somos feministas. Apesar de eu ter escrito as letras, elas acabam por ser uma mensagem de todos”

Como astros e envoltos em mitos, os Lefty sobem ao palco do Festival * SIGA * na noite de sábado, dia 5 de março. O concerto tem lugar na Sala Morcego da Associação Cultural e Recreativa de Músicos (ACRM), em Faro.  

Formados por Leonor Andrade (Ella Nor) na voz, João Nobre no baixo, Dani na bateria e Pablo Banazol nas guitarras, os Lefty  são um quarteto pop rock que se estreou com “Andrómeda”, em outubro de 2021. O álbum conta com letras de Leonor Andrade e composição de João Nobre, bem como produção de João Martins dos estúdios Ponto Zurca. A masterização ficou a cargo de John Davis, responsável pela masterização de discos de The Killers, De La Soul, Gorillaz, Noel Gallagher, entre outros, e foi realizada nos estúdios Metropolis, em Londres.

Conversámos com Leonor Andrade e João Nobre, momento que abaixo se transpõe.

Como é que os Lefty nasceram?

LA (Leonor Andrade) – Os Lefty começaram por mim e pelo João: um amigo comum apresentou-nos e começámos a fazer música. Um bocadinho a descobrir e a fazer mais para curtir e para nos divertirmos, e houve uma química muito forte e que para nós fazia muito sentido. Não queríamos parar nem ficar por ali. Entretanto, juntaram-se o Pablo e o Dani, e começámos a banda.


Porquê “Lefty”?

JN (João Nobre) – Tem uma explicação muito simples, na verdade. É uma homenagem aos canhotos, em primeiro lugar. Quando eu era criança, a minha mãe contou-me uma história que me traumatizou para a vida. Ela, em criança, por ser canhota levava muita porrada na escola, vergastadas com um pau de oliveira. Ficava com as mãos inchadíssimas. Sofria e chorava muito por ser canhota, e era obrigada a escrever com a mão direita. Naquela altura, era comum não te deixarem escrever com a mão esquerda. Fiquei com esta ideia horrível plantada na cabeça, com este trauma por resolver. Quando estávamos a começar este projeto, na altura ainda formado apenas por mim e pela Leonor, contei-lhe a ideia, e ela gostou. Mais para a frente, também Pablo e o Dani se reviram neste conceito, e seguimos. Portanto, decidimos consensualmente, enquanto banda, fazer esta homenagem aos canhotos que passaram por isto.

“Andrómeda” é o vosso disco de estreia, lançado a 2 de outubro de 2021.  Este nome remete-nos para dois campos: por um lado o da mitologia, em referência a uma princesa da Etiópia, oferecida como sacrifício a um monstro marinho; por outro à Astrologia: ‘Andrómeda’ é uma galáxia espiral localizada a cerca de 2,54 milhões de anos-luz de distância da Terra. Há realmente alguma relação entre o nome escolhido e estes dois campos? Como é que chegaram até ele?

JN –Para nós foi o melhor dos dois mundos. Em relação à galáxia, foi daí que tirámos todo o nosso imaginário cromático: quem estiver por dentro dos Lefty é capaz de ver que todas as cores são aplicadas cromaticamente nesse sentido, começando pelo logotipo: o imaginário cromático parte precisamente das cores galáxia. Por outro lado, quem conhece o álbum “Andrómeda” é capaz de se rever na mitologia, essencialmente no conteúdo lírico, em toda a história que a Leonor conta nas letras. Quem ler o disco, além de o ouvir, vai encontrar muito de Mitologia nessa parte lírica. De uma ponta a outra, as pessoas vão tirar as suas próprias conclusões, mas esse é um desafio que eu lhes deixo: perceber quais são os pontos em comum com a mitologia.

Há letras que nos remetem para temas muito mundanos, aspetos que nos tocam a todos como é o caso de ‘Fiança’, tema que antecipou o vosso primeiro disco. É-vos importante este elo, esta partilha ou afinidade com o público por via das letras, ao transpor para elas situações comuns, ou acham que o artista deve abstrair-se disso, ter à vontade para criar letras mais independentes do entendimento do público? Como é que se dá esta transposição do mundano para as letras? Andam com um bloco de notas no bolso e vão apontando estas histórias e situações que vos acontecem no dia a dia?

LA – Escrever este álbum acabou por ser para mim um processo muito natural e autobiográfico. Não houve nada que tenha escrito “de propósito”, não estava com a pressão de ter de ser autobiográfico, mas acabei por me aperceber ao longo do processo de que precisava de fazer essa purga. Há vários assuntos mundanos, do quotidiano. Coisas desde cariz sexual e de coisas, se calhar, numa linguagem que não é normalmente espectável vir de uma mulher, infelizmente, mas que nos são comuns a todas e a todos. Porque nós passámos e passamos por elas. Apesar de ter sido autobiográfico - de os temas estarem relacionados com a minha vida, em muitos outros – por vezes até numa mesma canção, há partes que falam sobre outras pessoas que me são próximas, que eu fui observando e sobre as quais me apeteceu escrever. O facto de perguntares isso do bloco de notas tem graça, porque, normalmente, eu escrevo sempre nas notas do telefone. Costumava escrever em blocos de notas, cadernos ou diários, mas, no caso deste álbum, foi tudo feito a partir de notas de telefone.

Depois, há outras letras mais… “pesadas”, no sentido de roçarem temas de cariz social, tais como a Igualdade de Género, a Descriminação, intolerância. Que importância tem para vocês esta sensibilidade a questões sociais? A Arte pode ser uma forma de manifesto ou intervenção nessas questões?

LA – Tem que ser. Eu acho mesmo que a Arte surgiu para isso, para ser uma forma de manifesto. Apesar de eu ser a única mulher da banda, todos nós somos feministas. Apesar de eu ter escrito as letras, elas acabam por ser uma mensagem de todos. Sempre que acabava de escrever uma letra, o João subscrevia-a. Tal como o Pablo e o Dani! Acreditamos todos na importância de as mulheres terem todas o direito de manifestar a sua opinião sobre determinados temas. Então, é-nos algo comum: acreditamos todos no que estamos a fazer e a dizer.

Como é que se dá o vosso processo criativo, desde a composição à feitura das letras? Quem faz o quê?

JN – O confinamento veio dar uma volta tremenda a todo esse processo. Foi a primeira vez em que eu o desenvolvi à distância. Por norma, um compositor, quando compõe, partilha imediatamente com quem escreve e trocam as ideias num café ou em casa, e o processo criativo inicia-se assim. Neste caso, todos nós fomos obrigados a um distanciamento imposto, e…  eu hei de me lembrar deste álbum para sempre. Se calhar, vou lembrar-me mais deste álbum do que de qualquer outro que eu tenha feito, precisamente por ter sido um processo inédito, diferente. Trabalhámos à distância: em termos criativos, a Leonor escrevia à distância, comunicávamos à distância, fazíamos o cortejo criativo à distância, o “Que giro! Está ótimo…adorei!”. Mas, desta forma, é completamente diferente: não vês a pessoa, não vês os olhos, não vês a expressão.  

Depois disso, tivemos a felicidade de completar o processo juntos: fomos para o Algarve, confinámos no estúdio - aí sim por opção, e vivemos juntos durante algum tempo. Saímos de pijama dos quartos, íamos ensaiar, depois íamos gravar, depois almoçar, depois voltávamos novamente para o estúdio. Isto obrigou-nos a conhecermo-nos melhor, a vivermos juntos, a criar uma relação impagável que não teríamos conseguido de outra forma. É que trabalhar em Lisboa, sempre enfiados num carro, ir para o estúdio, estacionar, com o stress todo do trânsito – é um processo diferente. No Algarve, juntos, criámos uma relação de amizade muito forte que, penso, se reflete e se sente no disco. Eu quero acreditar que sim. A nossa união e a nossa química que são impagáveis.

Eu, enquanto ser humano, adoro a ideia da mestiçagem. Somos pessoas diferentes, com backgrounds diferentes, mas é isso que cria a nossa identidade.
— João Nobre

"Sede" foi o vosso single de estreia, em 2020, com um tom nitidamente punk rock. Entretanto, “Andromeda” é já um álbum mais…eclético ou, pelo menos, difícil de rotular. Aconteceu por acaso, este teor híbrido? Ou deriva de caminhos e influências particulares a cada um de vocês?

LA – É um pouco por aí. É óbvio que se tem de pensar sobre isso. Nós viemos os quatro de backgrounds diferentes, mas que se encontravam nalguns caminhos. O João e o Dani foram tocar mais no hardcore, o Pablo nem tanto, mas encontrámos um caminho em comum para fazer o nosso som. Isto porque, não quero soar arrogante, o nosso principal objetivo passava por, vez de estarmos a tirar influências diretas de outras bandas ou de outro tipo de sonoridades, tirarmos influências de nós próprios, de cada um de nós, para conseguir chegar a um som – o som de Lefty. Eu não digo que tenha sido pensado, porque acho que foi um processo muito natural. 

JN – Eu, enquanto ser humano, adoro a ideia da mestiçagem. Somos pessoas diferentes, com backgrounds diferentes, mas é isso que cria a nossa identidade. Mesmo que eu seja o compositor, o produtor, nada disto seria possível se não fôssemos quem somos. Está muito da identidade da Leonor aqui, como também está do Dani, do Pablo. E são essas diferenças que estão associadas aos Lefty.

 

Planos para o futuro?

LA – os nossos planos passam por aquilo que já estamos a fazer agora, felizmente, e que é tocarmos. Temos estado a fazer uma tourné de clubs, que para nós está a ser a maior felicidade do mundo. Aliás, para nós e para todos os artistas que, finalmente, já podem voltar a tocar. Estivemos muito tempo parados. O nosso foco neste momento é poder tocar o nosso álbum. Vamos estar a tocar no Algarve daqui a pouco tempo, e estou super feliz com isso! Por mostrar o “Andrómeda”, tocá-lo ao vivo; poder sentir essa energia com as pessoas que nos estão a ouvir e que nos querem ouvir, e com aquelas que ainda não nos conhecem, mas poderão vir a conhecer.

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