Na Linha da Frente, pelo lado de Trás

Ao fim de quase um ano de pandemia, já estamos todos fartos disto tudo. Fartos de confinamento, fartos de telejornais com 90% de conteúdo acerca da pandemia, e claro, fartos de não ter vida ou pior, de ter uma vida alimentada por más notícias.

Acima de tudo uma falta de atualização, um upgrade à nossa responsabilidade social. Instalem todos os novos anos 20, porque alguns de vós estão claramente com software dos anos 90!

Durante todo este processo complexo, temos sido bombardeados por reportagens, testemunhos e histórias, bastante tristes diga-se, daqueles que combatem a pandemia na Linha da Frente. Ainda que alguns deles tenham uma Bastonária varrida do sentido, considero que são verdadeiros heróis.

Também devo referir que os testemunhos da retaguarda da linha da frente têm sido muito pouco destacados. É por isso que lhe trago um testemunho diretamente deste segundo corpo de destacamento. É verdade caro leitor, a vida na retaguarda da linha da frente também não é fácil. Esta linha não corre (tanto) o risco de apanhar o vírus, mas a verdade é que enfrenta desafios sociais gravíssimos. Tantos que nem sei por onde começar... porque parece que me sinto numa reunião online qualquer, sem saber onde se liga o microfone.

"Não era melhor termos feito isto pelo zoom? Ah não porque é limitado a quarenta minutos. Então vamos lá pelo teams! Se calhar é melhor não que a Isabel não tem isso instalado. Posso usar isso no telemóvel? Conseguem-me ver todos? É que isto das novas tecnologias... eu só sei usar o skype. Estão-me a ouvir bem?" - Livra, que é de uma pessoa ficar com pele de galinha.

Não somos um povo acolhedor? Não somos um povo capaz de ajudar? Se calhar não tanto quanto eu pensava. ​

Bom, agora que já estamos todos vamos lá falar do que me preocupa. Preocupa-me essencialmente o facto de todos os dias estarem a chegar mais e mais pedidos de ajuda e cada vez mais graves. Acredite, ninguém tem mãos a medir, porque já há famílias inteiras de 4, 5, 7 pessoas a passar fome. Os números da pandemia têm boletins diários, contudo os números da exclusão social estão bem guardados, um dia serão revelados, mas para já a preocupação são as vacinas, os fura-filas e o Sistema Nacional de Saúde a rebentar. Tudo legitimo. Mas o meu único ponto é: Sabiam que há problemas graves além desses?

Acima de tudo uma falta de atualização, um upgrade à nossa responsabilidade social. Instalem todos os novos anos 20, porque alguns de vós estão claramente com software dos anos 90!

Outra coisa que me preocupa são os apoios descontrolados, porque ajudar é muito bom é fantástico para os likes e seguidores, mas e o resto? Será que não há noção de responsabilidade social, ou esse é um privilégio é algo exclusivo das multinacionais? Preocupa-me o facto de estarmos a criar dependência dos apoios e gerar assim uma necessidade extrema de educação das famílias. Preocupam-me as decisões tomadas pelos nossos governantes sem olhar para aquilo que é a vida real destas pessoas. Preocupa-me a falta de apoio dada pela sociedade (sim, por todos nós) às pessoas com deficiência, aos migrantes, porra pá! Não somos um povo acolhedor? Não somos um povo capaz de ajudar? Se calhar não tanto quanto eu pensava.

E por último, preocupa-me a falta de preocupação connosco, com a falta de preparação com que estamos a sair das Universidades, ninguém prepara para um combate social deste calibre. Preocupa-me o facto do nosso trabalho ser invisível, de não ser feito de bata nem de farda. Preocupa-me a nossa saúde mental! Preocupa-me acima de tudo, o facto de estar a ver algo monstruoso a caminho e estar tudo adormecido. Preocupa-me esta crise que está a nascer, uma crise como o Algarve nunca viu e que podemos todos vencer se actuarmos já.

​Preocupa-me.


FONTE Nuno Miguel Neto FOTOGRAFIA Nuno Miguel Neto
Nuno Miguel Neto

Nuno Miguel Neto cresceu desde sempre ligado à temática da Inclusão, devido ao fato de ter um irmão com Spina Bífida uma deficiência neurológica, sempre esteve sensibilizado para esta causa. Licenciou-se em Arquitetura e desde aí apercebeu-se que antes de construir mais era preciso sensibilizar. Começou a trabalhar na APEXA - Associação de Apoio à Pessoa Excepcional do Algarve, como voluntário trabalhou na sensibilização especializando-se em Acessibilidades.

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