Tudo isso numa capa de disco

​Primeiro a TV, depois a internet. Já faz algum tempo que não se fala em música sem se falar em imagem. Atualmente, é bem difícil pensar num som de um artista, sem lembrar da sua identidade visual. Mas onde, exatamente, isso começou? As capas de discos exerceram um papel importantíssimo nesse processo de conexão entre a música e toda a fantasia por trás dela. Definitivamente, as capas mudaram a forma como escutamos um som. No começo, eram simplesmente utilitárias. Feitas de papel cartão marrom para proteger o conteúdo. Por uma fresta de plástico neste papel, lia-se o nome do artista. E só!

Já faz algum tempo que não se fala em música sem se falar em imagem. Atualmente, é bem difícil pensar num som de um artista, sem lembrar da sua identidade visual. Mas onde, exatamente, isso começou?

As coisas mudaram em 1938, quando Alex Steinweiss foi contratado como diretor de arte da Columbia Records. A partir de então, passou a desenhar nas capas. O resultado foi uma alta gigantesca na venda de discos. Após o mercado acompanhar a tendência, a própria maneira de comprar um álbum de música mudou. Agora os consumidores iam à loja folhear e observar as obras de arte das capas. Elas haviam se tornado vitrines e os artistas entenderam isso. Os Beatles foram uns dos primeiros a perceber a nova jogada. Os garotos usaram e abusaram da tela em branco que tinham à disposição a cada álbum lançado. Isso tudo aconteceu em uma época em que a indústria do entretenimento atingiu a banda em cheio. Era a "Beatlemania". Em 1964, os garotos fizeram vinte e cinco apresentações na América durante 30 dias (num tempo em que não existia grandes turnês e shows em estádios). Nessa época, lançavam um single a cada três meses e um disco, a cada seis, respeitando todas as conveniências do mercado. Mas depois de pouco tempo nessa histeria, a banda já resolveu colocar fim ao ritmo industrial. Já não havia mais fôlego para ser commodity. Era tempo de criar! Ainda no mesmo ano do auge, 1964, sob o sucesso monstruoso de Hard Day´s Night - álbum e filme -, os Beatles lançaram “Beatles for Sale” ou, “Beatles em promoção”. Na capa, já não há sorrisos e as cores são bem mornas.

​​Apenas um ano depois, os meninos lançam “Rubber Soul”, o primeiro passo da banda ao psicodelismo e experimentalismo. A imagem distorcida e a letra "funk" usadas na capa são novidade para a época e, assim, expressam o tom do álbum.

​O estigma em relação a banda era indestrutível: quatro garotos de terno que cantavam músicas de amor em quatro acordes. Então os Beatles tiveram que radicalizar: Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band. O Santo Graal de todos os discos.

​Os meninos usavam roupas extravagantes, em estilos excêntricos, cantavam sobre tudo e mais um pouco... e tinham, realmente, um novo jeito de ser. Um novo nome! Tudo podia ser observado na própria capa - um trabalho de colagem memorável do artista plástico Peter Blake -. Sgt. Peppers é, sem dúvida, um produto cultural dos mais simbólicos de todos os tempos: a sua imagem traduz dezenas de significados. Representa o entendimento daqueles garotos sobre o processo que o mundo todo - encabeçado por eles - estava passando. Começa a haver a consolidação de uma cultura de massa, e não à toa as figuras de Karl Marx e George Bernard Shaw se juntam a Bob Dylan e Marlon Brando. E, assim, John, Paul, George e Ringo apresentam uma postura de desafio: desafiar o que eles mesmo já tinham feito até ali; desafiar outros artistas cultos a abandonarem a visão preconceituosa sobre a cultura popular. E, acima de tudo, os Beatles desafiaram o público a engajar em alguma coisa completamente nova - em todos os sentidos -. Tudo isso numa capa de disco...

Andrei Serotini

​Andrei Baccar Serotini, meio libanês, meio italiano: legítimo brasileiro. O mais acertado é dizer que sou músico, porque isso é o que mais fiz da vida até agora. Mas não foi só: sou formado em Direito e Comunicação e, atualmente, faço pós graduação em filosofia. Sempre gostei de pensar nos mistérios da vida, de me purificar pela arte, de escrever como um processo de autoconhecimento e de conversar por horas com pessoas que não têm muito o que fazer e nem para onde ir, como minha avó Suad.

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