Daniel Kemish: “The Name Of The Game foi escrita sobre o X Factor e outros programas de TV que só funcionam para encher os bolsos dos executivos”

Originário do Reino Unido, Daniel Kemish vive atualmente no Sul de Portugal, região onde passou maior parte da sua vida. Em entrevista, fala-nos sobre o caminho percorrido e sobre o género de música em que se revê.

Daniel Kemish é um nome já reconhecido no Algarve que te acolheu. Quem é este Daniel Kemish de quem as pessoas ouvem falar?
Na verdade, vivo cá há muitos anos, mas só agora me comecei a dedicar mais à música. Sou um cantor e compositor que vive muito tempo na estrada. Os Americanos chamar-me-iam um “road dog” ou “troubadour”.

​Fala-nos um pouco sobre o início da tua carreira.
Comecei na Inglaterra, a tocar em bares, mas fiquei frustrado por tocar músicas de outros. Decidi sair do país e desses bares, e foi aí que comecei a focar-me em criar. Quando vim para Portugal também passei pelos bares, mas comecei logo a escrever e a apresentar-me como um artista de originais.

Que instrumentos tocas?
Toco guitarra, mas só conheço “acordes cowboy”. Nunca tive aulas de música. Canto, toco guitarra e um pouco de harmónica também. O que importa é que a honestidade está lá. (risos)

Quando te começaste a interessar, mais especificamente, pelo folk ?
Tinha uns 10 anos. Ouvia os velhos “Outlaw Singers”, Willie Nelson, Waylon Jennings, Kris Kristofferson, entre outros. Tudo começou daí. Aos 14, quando agarrei numa guitarra pela primeira vez, fui aprender essas músicas que antes ouvia. Agora é diferente. Tenho mais influências e mais amigos que tocam outras coisas.


​És um contador de histórias e um viajante nato. Faz parte do teu trabalho e contas com um vasto número de quilómetros feitos em tour. Fala-nos um pouco sobre essa vida na estrada.
Bem, a vida na estrada não é para todos. Eu passo horas e horas a trabalhar antes das tours, para ter datas suficientes, mas é muito duro. Há dias bons e outros nem por isso, mas eu adoro viajar e espalhar as minhas músicas - e isso compensa.
Até agora tenho feito toda a produção praticamente sozinho, e por isso é difícil. Desde marcar datas a combinar refeições e dormidas. É uma luta, mas eu acredito que o trabalho de agora fará a diferença no futuro. Faço o que acredito. Se funciona, boa; se não funciona, tento fazer de outra maneira.

Estamos curiosos com essas tuas viagens. Queremos que nos contes a história mais caricata que já viveste em tour.
Uma vez, em Flagstaff Arizona, na América, estava a conduzir um carro alugado quando decidi dar boleia a um rapaz que estava à beira da estrada. Era um “new age Hobo”. (risos) Dei-lhe boleia até Nashville, contou-me que andava nos comboios a viajar. Tantas histórias! E tantas paragens pela polícia!
Eu estava num Dodge Charger Branco, na saída do Texas, e, só por isso, eles tinham a certeza de que tínhamos droga. O pior é que eu estava com um gajo que não conhecia e não fazia ideia de quem ele era e do que tinha com ele.
Tive um bocadinho de medo, admito. Felizmente, correu bem: fizemos 2600 quilómetros em menos de dois dias. Graças a esse episódio escrevi o Traveling Man. Um tema sobre esse “new age Hobo”.
Noutra viagem, desta vez em Hamburg, perguntei a um polícia onde poderia estacionar a carrinha para ficar segura. Acabei por guardar a carrinha no parque de estacionamento privado deles. Foi o melhor estacionamento que já tive!
Há tantas histórias…mas também há vezes em que nada acontece, é só estrada e estrada.

 

“No meu último álbum,

fugi para uma montanha na Áustria para criar.

 

Muitas são as vezes em que vais sozinho atuar. És apenas tu e o público que muitas vezes não te conhece. Ainda ficas nervoso por subir ao palco?
Agora já não tanto, já estou mais acostumado. Mas fico sempre um bocadinho ansioso, claro; ansioso por dar o meu melhor, acho. Na minha opinião, quando as pessoas saem de casa para te vir ouvir, tens obrigatoriedade de fazer o teu melhor. Mesmo que seja uma pessoa apenas no público, essa pessoa saiu de casa para te ouvir.

As digressões não são o único pretexto que te leva a viajar, também o fazes para contribuir para o processo criativo. Há em ti uma necessidade de afastamento para conseguires criar?
Depende. O problema é estar a fazer tudo. Qualquer momento livre é aproveitado para planear, orientar a agenda, ensaiar... infelizmente, não tenho tempo para ser criativo. Daí o afastamento: tenho de desligar-me de tudo para criar e, para isso, é mais fácil não estar em casa.

Como funcionam esses momentos de criação?
Por vezes, escrevo uma música em 10 minutos; noutras vezes, leva meses.
Se não está a ir a algum lado, não forço. Se estiver a correr bem, faço um café e concentro-me. No meu último álbum, fugi para uma montanha na Áustria para criar. Estava rodeado de neve, sem eletricidade, sem água corrente. Só tinha um forno de lenha para me aquecer e comer. Estive lá 28 dias e escrevi 29 músicas.

Conta-nos mais sobre essa experiência.
Era uma cabana de um amigo. Ele usa-a apenas no Verão, quando vai à caça.p Pensava que eu estava louco! Levei a comida para a cabana em Novembro, antes de a neve cair, e subi no fim de Janeiro. Não fazia ideia de como seria lá estar, sem o conforto a que estou habituado em casa, sem água quente, aquecimento, gás, luz, computadores e amigos. Precisava de tempo para refletir, e era só eu e montanha! Coloquei uns amigos no Search and Rescue. Eles estavam em Standby e, caso houvesse avalanches, ele viriam com um helicóptero. Felizmente, esse Inverno não teve muita neve. Desliguei o telemóvel e fiquei sozinho. Não sabia o que ia acontecer ou como me ia sentir. Tenho a certeza de que em breve vou repetir a experiência.

Houve momentos em que parar te pareceu o mais correto? Já pensaste em desistir de ser músico?
Não. É claro que houve tempos em que me perguntei se estava a fazer a coisa certa, mas não vou desistir agora. Estou a evoluir. Dizem que leva uns 10 anos, e eu acredito. Só comecei há pouco tempo, por isso, ‘bora continuar!

Já faz alguns anos desde que te entregaste a Portugal, certo?
Sim, vim para cá aos três anos. Já vivi em muitos países, mas Portugal é, sem dúvida, a minha casa.

Assim sendo, alguma vez pensaste em cantar em português?
Já pensei, mas não vou o vou fazer. O mercado que procuro é internacional. Se cantar em português, tenho receio de ficar conhecido como artista nacional e não como artista international. Talvez um dia faça uma música em português, como bonus track ou algo assim, mas teria que ser muito bem pensado. Para além disso, não consigo escrever em português, nem cantar bem em português. As pronúncias!

Apelando agora ao teu nível mais criativo. Se te pedissem para escreveres uma música sobre a indústria musical em Portugal, como seria esse tema?
Se mo pedissem, tinha que me sentar e pensar muito bem. Provavelmente ficaria como o The Name Of The Game. Essa música foi escrita sobre o X Factor e outros programas de TV que só funcionam para encher os bolsos dos executivos. Na verdade, não tenho paciência para isso. Mantenho a honestidade e vou fazendo o que quero fazer.

Quais são os teus projetos para o futuro?
Vou continuar na estrada, a criar seguidores, a ganhar conhecimentos, a partilhar música com mais pessoas. Tudo isso, tentando dar o meu melhor.

Já pensas num próximo álbum?
Sim, mas não para já. Provavelmente, só no fim do próximo Verão é que começarei a pensar em álbuns.

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