Luís Trincheiras: “sou a favor de mais oportunidades para os criadores de peças originais, que mexam no conhecimento das pessoas e as abale”

Tens uma carreira como designer, mas desde cedo tens vindo a desenvolver vários trabalhos ligados à música, ao teatro e à produção. Pelo caminho, há projetos e bandas que ainda hoje são tema de conversa, como é exemplo a banda Imune. Fala-nos um pouco de como é que tudo começou.
Sou autodidata em quase tudo o que faço. Por curiosidade e por feitio de procurar modos de fazer as coisas. Talvez por isso tenha muitos projetos a decorrer ao mesmo tempo e esteja sempre a sonhar com mais. Por vezes é mau. A dispersão por vezes fica em primeiro lugar…
Tive com a banda Imune, antes chamada Nostrodamos (com ó), a maior experiência de rock como músico. Foram oito anos de concertos, gravações e vivências muito diferentes, com vários amigos e músicos. Viajámos muito e em condições muito aventureiras. Hoje, estou concentrado principalmente em Fenoid e Kilavra - dois projetos com base eletrónica que me dão muito prazer.
Sempre tive um lado criativo e noctívago que me forneceu bases para experimentar diversas técnicas artísticas mas foram os amigos que me levaram a fazer parte de bandas musicais e todo aquele ambiente de contestação contra o sistema que se vivia a nível mundial. Hoje, ainda sou facilmente levado a reclamar e sugerir outras formas de resolver as coisas.

Sendo um artista com várias vocações, alguma vez sentiste alguma espécie de conflito interno em relação à tua definição enquanto artista?
Sim. Todos os dias ando nessa luta interna. Por vezes, ao observar uma pintura fico a pensar que voltarei a esta forma de arte mais cedo ou mais tarde. Por vezes faço uma mistura de som e penso que devia dedicar-me à escultura de grandes dimensões ou a instalações que, de algum modo, tivessem som, imagem e vídeo. Enfim, a tal luta interna eterna.

Quais são as suas principais inspirações a nível artístico?
Tenho muitas influências sonoras, pictóricas, arquitetónicas, escultóricas, videográficas, e outras, mas menos em literatura. Tive o prazer de conhecer o João, que me ensinou a não ser muito erudito, pois isso direcionava a nossa criatividade a todos os níveis. O Carlos Maria Trindade disse o mesmo quando quis gravar um disco. Não assimilou nada para poder ser ainda mais puro.
Também tenho uma memória gasta e os nomes mais recentes não perduram tanto no cérebro como antes. Acompanho muita coisa e isso torna o conhecimento menos dedicado. Coisas a mais…

Até hoje qual foi para ti o momento mais desafiante do teu percurso?
Enquanto músico, abrir o concerto dos Da Weasel em Santarém para 10 ou 12 mil pessoas. Na festa da juventude. A minha forma de estar perante a exposição ao público, nem que seja uma pessoa, é sempre um momento desafiante.
Na minha vida pessoal foi estar a fazer o curso de Design de Comunicação na mesma altura que nasceu a minha filha. Foi uma prova de resistência de elevada exigência para a qual nunca estamos preparados. Foram horas sem dormir e trabalhos até tardíssimo…

Já realizaste variados projectos mas existem dois que se destacam atualmente, o festival PIXSOM e banda FENOID. Que projetos são estes e qual a importância do improviso?
O Pixsom surgiu pela necessidade de dar a conhecer esta possibilidade de improviso com músicos variados, artistas de vídeo, declamação ou poesia, dançarinos e interação com o público. Todas as áreas artísticas atuam sempre de forma experimental e o público faz sombras, ou dança, sobre a projeção de vídeo durante o evento. É um evento assente na vontade de criação de todos os artistas.
Relativamente aos Fenoid, são um duo de música eletrónica com 11 anos de existência. Sou eu e o Paulo Franco (Gefits), um baterista com grandes capacidades e sempre disponível para improvisar. Tempos uma base construída em estúdio e, posteriormente, vamos adicionando camadas de som, ou retirando, e vamos construindo o som à medida que ele nos orienta e vice-versa. Esta possibilidade é um copo de água potável no meio do deserto.

Qual o maior obstáculo para este tipo de projectos quando falamos de agenda Cultural?
O maior obstáculo é ser um tipo de som que não considero exclusivo mas sim não comercial. A nossa sociedade é muito dirigida pelos média e os média são controlados ou pressionados de modo a mostrarem projetos mais comerciais com o intuito de ganhar mais dinheiro. Isso não me revolta pois é normal e lógico tanto para os artistas como para a indústria musical. Mesmo assim, acho que os programadores culturais estão mais atentos a produtos menos comerciais e para públicos diversos. Na nossa região ainda falta um longo caminho, mas acho que chegaremos lá, pois parece-me que politicamente há alguma sensibilidade para isso.

Na tua opinião, como tem sido a evolução ao nível de oferta cultural, mais propriamente musical, no Algarve? E qual o caminho a seguir?
Sou a favor de mais oportunidades para os criadores de peças originais, que mexam no conhecimento das pessoas e as abale. A sociedade está muito presa ao fácil e há tanto por conhecer a nível artístico.
Nesta fase de pandemia houve um esforço por parte das entidades em manter os artistas a trabalhar e de algum modo minimizar os efeitos desta crise. Mas o modo como se conseguiu fazer foi com transmissões online que são interessantes mas que não cobrem todas as áreas, por questões técnicas, e não aglutinam todas as pessoas que normalmente fazem parte de um show. Todos os técnicos, artistas, pessoal que normalmente é a base logística de um espetáculo.
Tem sido muito difícil. O caminho a seguir é desconhecido pois já houve pandemias anteriormente e os artistas e todas as estruturas dependentes das artes foram as primeiras a desabar e as pessoas tiveram de orientar-se com outros trabalhos. É uma perda enorme e consequentemente a sociedade sofre e torna-se pesada e com semblante triste. Tenho esperança na nossa região e em Portugal. A luta não nos amedronta!

Sou a favor de mais oportunidades para os criadores de peças originais e que de algum modo mexam no conhecimento das pessoas e as abale. A sociedade está muito presa ao fácil e há tanto por conhecer a nível artístico. (...) Tenho esperança na nossa região e em Portugal.
​A luta não nos amedronta!

​Durante o confinamento foi possível ver-te nas redes sociais em várias iniciativas, tanto em família como em “solo act”. Como é que é vivido o espírito artístico em tua casa e em que medida é que esta pandemia te pode ter levado a descobrir melhor o lado artístico da tua família?
Sim. Fiz uns diretos com má qualidade de som pois não tinha condições técnicas para fazer melhor. Foi som captado pelo telemóvel e transmitido na hora. Por questões de loucura operacional da ARCMúsicos aceitei o desafio de fazer uma atuação como Trinchax, numa vertente techno, e pedi à minha família para participar com cenários, frases, balões, etc… uma aventura em casa. Foi recompensador para todos aquela adrenalina criativa. Já há muito tempo que fazemos muitas criações juntos. Desde música para a escola como pinturas e jogos artísticos.

Estando agora numa fase de desconfinamento, queres-nos partilhar a tua opinião sobre os desafios que enfrentamos e como podemos fazer para contribuir para ajudar quem está à nossa volta?
Eu tenho família com idade avançada e tenho muito receio que em caso de um desconfinamento sem preocupações. Penso que estamos a agir bem no geral. Como artista acho que há muitas incertezas mas penso que seria bem possível começar a ter espetáculos nos teatros e salas de concertos. As pessoas também têm de ser responsáveis nas suas relações. Já o deveriam ser a nível sexual e social e agora ainda mais. Sei que com a loucura da noite ou do evento as coisas possam ser complicadas na aplicação das normas de segurança mas temos de começar a arriscar agora pois esse risco é muito menor. Há milhares de vírus e nós somos mais um neste mundo. Penso que essa seria a melhor forma de ajudar as pessoas. Era voltar a ter a sociedade a funcionar e agora talvez de uma forma mais calma ou mais consciente e respeitadora da natureza. Há tanto tempo que não tínhamos um céu tão azul. Não há riscos brancos a toda a hora. Tenho aproveitado muito isso.

Acreditas que a arte se possa tornar uma ferramenta com impacto social que ajude a comunidade a superar alguns dos problemas que falámos?
A arte é sempre necessária. É o que nos dá uma existência digna. A arte está em toda a parte e até na guerra, pior coisa à face da terra, a arte é basilar. A arte é muitas vezes incompreendida e por isso mesmo tão desejada por todos. Os artistas e todos os elementos da nossa sociedade têm a arte como o expoente máximos das suas vidas e há muita gente que não sabe disso conscientemente mas usa a arte diariamente. Acredito que a humanidade está a sofrer e que já percebeu, em algumas zonas do globo, à força, e que terá de utilizar a arte para conjugar ideias e tornar o mundo “a better place”. Volta John Lennon.

Sendo também um dinamizador da cidade de Faro, que Faro gostarias de experienciar daqui a 5 anos?
Penso que temos sempre algo a acrescentar ao que se faz por cá mas acho que eu não faria melhor do que se está a fazer nesta fase das nossas vidas. A nível de comunicação, redes sociais, eventos e regras de segurança penso que a nossa edilidade tem agido bem e com grandes limites logísticos.
Acho que vamos todos sair desta loucura brevemente e que vamos voltar a ter muita atividade artística, empresarial, turística e da mesma forma que já se vinha a fazer. Espero que seja de forma sustentável e não baseada somente na especulação e interesses económicos. Já vimos onde isso nos leva. Temos de perceber que a Natureza está no centro e que nós os homens, animais, fazemos parte dela e por isso mesmo temos de coexistir em paz. Gostava sinceramente de experienciar uma nova frente ribeirinha e uma cidade com um urbanismo orgulhoso digno de uma cidade pensante e inteligente.
Também gostava de ver a Make It Happen a organizar um festival em Faro. Esse seria um festival que eu compraria os primeiros bilhetes.

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