Ivan Stamato Baptista: “é um bom exercício criativo, o de nos deslocarmos sem nada de concreto em mente”

Ivan Stamato Baptista, brasileiro radicado em Faro, fotógrafo de moda e lifestyle há seis anos. Com grande influência da arquitetura e das ruas de São Paulo, foi fortemente inspirado pelas pessoas, cores, formas e texturas que o rodeavam, aventurando-se na fotografia como forma de expressão.

A arte sempre teve um papel fundamental na tua vida? Quando começaste a perceber essa sensibilidade?
Cresci num ambiente criativo e comunicativo, com uma mãe artista plástica e um pai jornalista. Então, sempre me relacionei de forma lúdica com o ambiente ao meu redor, frequentando galerias, museus, assistindo a performances e entrando em contacto com a linguagem experimental através do cinema, teatro e música. Não foi uma percepção espontânea, foi um laboratório pessoal: com a fotografia aprendi e estou a aprender a projectar a minha trajetória de vida no meu trabalho. Posso dizer que a arte ensina-nos a respirar, ensinou-me a escalar as paredes de concreto e as camadas de poluição da selva de pedra; a ter algum senso de liberdade.

​Após alguns anos de trabalho em ambientes nocturnos na cidade de São Paulo, o mundo da moda acabou por atrair-te. Chegaste a fotografar desfiles e até a São Paulo Fashion Week (SPFW). Como foi esse caminho?
Não consigo lembrar-me de um motivo específico que me atraiu à moda, sempre me interessei pelas formas e texturas das coisas. Eu tinha 20 anos, estava desempregado, num lugar caótico e tinha uma câmara. Sinceramente, nem sequer sabia usar os recursos mais básicos da fotografia, mas fui oferecendo os meus serviços para conseguir frequentar os locais que eu queria, já que, de outra forma, não podia pagar para tal.
Pouco a pouco, essa relação não académica com a fotografia veio abrindo portas e atraindo-me para certos círculos sociais. Ainda me lembro do meu primeiro desfile, onde metade dos fotógrafos tentavam ensinar-me como usar a máquina fotográfica de forma mais produtiva, e os mesmos falharam miseravelmente. Afinal, tentei continuar nesse meio e desiludi-me, fiquei cerca de um ano sem pisar um lugar do tipo, e concentrei-me na produção de eventos para a cena cultural e nocturna de São Paulo. Durante esse tempo de trabalho em clubes nocturnos, aprendi como funcionavam as coisas, a como misturar uma música ao vivo e decidi tentar a sorte. Mais tarde, esses eventos começaram a chamar a atenção de marcas, agências e imprensa, e aí vieram as colaborações, o networking, e foi então que voltei aos corredores da semana de moda. Porém, dessa vez já podia escolher o que eu queria fotografar e, confesso, tenho uma certa paixão pelo calor, gritaria e tensão do backstage.

 
 

O mundo da moda é tão competitivo quanto se diz? Quais são as tuas referências no mundo da fotografia, não só na moda mas na fotografia em geral?
​O mundo da moda só é competitivo se te deixares levar, tal como todo o tipo de trabalho. Vejo mais pessoas doentes por competir numa multinacional do que num estúdio de criação. Existe, sim, muita gente que romantiza essa competição, mas, pelo menos na minha humilde opinião, não ser colaborativo é démodé e a necessidade de nos termos uns aos outros nessa transição de século fica cada vez mais clara.

Quanto a referências, a título de carreira profissional, Annie Leibovitz; a título de inspiração: Robert Doisneau, Helmut Newton, Guy Bourdin, Richard Avedon, Horst P. Horst, e outros mais actuais como Mariano Vivanco, Mario Sorrenti e Ellen Von Unwerth.

​No que diz respeito a sessões fotográficas, qual é o teu processo?
É relativo, se for uma campanha publicitária, de moda ou algum editorial, mesmo que uma criação pessoal, fico pelo menos duas semanas à procura de referências que são depois organizadas num moodboard. Também depende do tamanho da equipa que tenho disponível - por vezes tenho que lidar com 15 pessoas, que trabalham ao mesmo tempo no estúdio, dando e recebendo informações de montagem de luz, maquilhagem, produção executiva, catering, tempo, entre outros. Se não houver organização com tanta gente junta, o estúdio é dominado pelo caos. É um bom exercício criativo, o de nos deslocarmos sem nada de concreto em mente. Mesmo que eu prepare tudo durante semanas, vai sempre surgir algo de forma orgânica, mas, por outro lado, se eu não tivesse essa referência e estudo preparatório, não conseguiria um bom resultado em apenas uma sessão.

 

“O Algarve pode não ser visto ainda como um hub de criatividade, mas, com investimento, financiamento público e privado e novos projectos de inclusão social, podemos ver uma mudança de paradigma nos próximos anos.”

 

Vir de uma cidade como São Paulo para Faro é uma mudança drástica, no que diz respeito ao ambiente, dimensão e oportunidades de trabalho. Como é ser um fotógrafo de moda, no Sul de Portugal? Quais as oportunidades e potencial que vês nesta região?
Ao mesmo tempo que São Paulo tem muitas oportunidades, também tem muita gente boa, vindo de todos os lugares possíveis do Brasil e do mundo, a trabalhar. Acho que a maioria dos profissionais criativos se atraem por estas megalópoles, mas eu, aqui no Sul, sinto-me em num período de transição, sinto que posso voltar a crescer.
O Algarve pode não ser visto ainda como um hub de criatividade, mas, com investimento, financiamento público e privado e novos projectos de inclusão social, podemos ver uma mudança de paradigma nos próximos anos. Vivemos num grande grupo, num grande organismo, e as pessoas atraem-se umas às outras na hora certa. Tenho-o visto a acontecer muito nesta região e, se tudo for bem conciliado, tenho a certeza de que ainda há muito crescimento por vir.

 

Liberdade, Bairro “japonês” de São Paulo


“Há muita coisa a ser produzida que em 24 horas vamos esquecer”

 

​Nos últimos anos, tem-se visto a indústria da fotografia a crescer cada vez mais, bem como o interesse das novas gerações pela fotografia e em seguir este ramo como profissão. Certamente, muito devido às redes sociais e ao incentivo da partilha de imagem. Qual a tua opinião acerca deste assunto e quais os conselhos que darias a quem quer tornar-se profissional nesta área?
Em 2012 assisti ao documentário “PressPausePlay” produzido pela House of Radon, uma agência criativa sueca. Esse documentário, de cerca de uma hora e vinte minutos, aborda o acesso a ferramentas criativas que vimos na primeira década dos anos 2000, como a revolução digital criou uma geração que pode produzir todo o tipo de conteúdo sem necessariamente ter alguma formação ou mesmo como essa transição desvalorizou diversos segmentos do mercado autoral. Esse documentário não mais representa a nossa actualidade de segunda revolução digital: hoje temos acesso móvel a streaming de boa qualidade, passámos do Snapchat ao Instagram, do Instagram ao Tiktok, e podemos ver a onda de lives que representam já algo comum em países como a China. Hoje todos somos fotógrafos, hoje todos somos músicos, hoje todos estudamos edição de vídeo. Há muita coisa a ser produzida que em 24 horas vamos esquecer. Picasso foi um pintor, escultor, ceramista, cenógrafo, poeta e dramaturgo. A brasileira Tarsila do Amaral, pintora, desenhista e tradutora. Aliás, o maior exemplo que podemos dar, Da Vinci, foi cientista matemático, engenheiro, arquitecto, poeta, botânico e inventor. Acho que não existe um processo criativo bom que se foque em uma área só: vivemos das nossas referências, e essa democratização de acesso aos meios criativos dá a oportunidade a muita gente que, de outra forma, aos quinze ou vinte anos não teria a oportunidade de mostrar o seu trabalho e evoluir com os olhares e comentários de pessoas vindas de toda a parte. É claro que temos de preocupar-nos com nossa privacidade - vivemos em um mundo de vigilância em massa onde câmaras na rua vendem os nossos dados a empresas e empresas vendem publicidade a partir do que falamos perto do nosso telemóvel.
Sim, se não fossem as redes sociais, acho que hoje não teria nem metade do reconhecimento que tenho no meu trabalho, mas acho que cada vez mais chego a um ponto em que o meu portfólio é desvalorizado pelos media digitais. O meu conselho a quem quer começar a fotografar agora é fotografar sem medo, mas com ética, respeito pelo outro e pelos seus próprios limites.

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