Luís Rocha: “o que um técnico de som faz é tentar reproduzir o mais fielmente possível o trabalho dos artistas”
Todo o público tem uma noção, mesmo que mínima, do que faz um vocalista ou um instrumentista. Poucos são os que se questionam acerca de quem trabalha “atrás das cortinas” para que o espetáculo ou trabalho do qual desfrutam esteja completo. Conversámos com Luís Rocha, uma das pessoas que trabalha arduamente para que quem está no palco possa brilhar.
Atualmente vives como técnico de som e és sócio/fundador da BOXMUSIC Studios. O que te levou a fazer disto vida?
Paixão é a palavra que explica o facto de ter decidido, a um momento da minha vida, optar por esta área. Já fazia coisas ligadas à música desde miúdo, entretanto o resto do caminho foi mais ao menos parecido com o de muitos dos meus colegas: não havia mais ninguém do grupo que gostasse de gravar e misturar, e eu acabei por jogar-me para à frente. O resto foi trabalho, empenho, e muitas horas a tentar perceber como as coisas se faziam.
Depois, a paixão absoluta pela minha “matéria prima” (músicas e músicos) facilitou a coisa. Cada vez mais há bandas interessantes, com muita vontade de fazer coisas, e isso facilita o meu trabalho.
Explica-nos em que consiste o teu trabalho.
Basicamente, o que tento fazer é uma espécie de “tentar deixar os músicos o mais confortável possível”, de maneira a que acreditem que estou a tentar fazer o melhor para eles, para os seus espetáculos e para o público. Normalmente, o meu trabalho começa algum tempo antes do concerto, altura em que tento conhecer os temas das bandas que vou misturar e percebendo onde posso criativamente melhorar na mistura. Depois no dia do espectáculo, o meu dia de trabalho começa um pouco mais cedo que o dos músicos, pois tenho de estar no local do concerto para fazer todas as afinações e ajustes no sistema, de forma a tornar mais rápido o ensaio com a banda. Em estúdio, onde também gosto bastante de estar, o meu trabalho consiste em tentar captar ao máximo o que as bandas pretendem e com a sonoridade que mais se adequa ao projecto.
Antes de te dedicares a 100% ao que fazes, foste guitarrista. Fala-nos um pouco dessa experiência.
Como aconteceu com outros colegas meus, tudo começou pelo facto de ser músico e de gravar as minhas bandas. O facto de trabalhar como técnico de som ao fim-de-semana e ter concertos com a minha banda nos mesmos dias ajudou-me a decidir ser apenas técnico.
Nessa altura, como era o teu processo criativo?
O processo criativo de quase todas as minhas bandas funcionava como jam session, onde gravávamos ideias e de estruturávamos as músicas. Ainda continuo a fazer coisas da minha autoria, mas o processo já é bem diferente: começo logo por colocar todas as ideias no computador e vou acrescentando os instrumentos que pretendo.
Acreditas ser importante ter conhecimentos teóricos de música para ser um bom técnico/engenheiro de som?
O que um técnico de som faz é tentar reproduzir o mais fielmente possível o trabalho dos artistas. Na minha opinião, o processo fica bem mais difícil se não se sabe de música.
Sentes que a tua sensibilidade na música veio-se apurando com o passar dos anos?
Este trabalho, como qualquer outro, obriga a treino. É claro qu com a utilização das ferramentas disponíveis torna-se muito mais fácil. O passar dos anos e a experiência em diversos cenários vão trazendo um cuidado totalmente diferente daquele que tinha no início, mas, acima de tudo, penso que o facto de estar constantemente a estudar e ouvir coisas e tendências novas vai ajudando, obrigatoriamente, a apurar a sensibilidade. O facto de me tentar focar num género musical também me ajuda: o exercício de adaptação fica facilitado.
Depois de mais de 10 anos a trabalhar como técnico de som, qual é a tua opinião sobre esta profissão em Portugal?
Muitas vezes apetece desistir. O meio tem tendência a tornar-se demasiado instável e ingrato. Temos de dar muito de nós e muitas vezes abdicar de muitas coisas para podermos manter a coisa funcionar.
O facto de a maioria dos técnicos de áudio do país trabalhar como freelancers não ajuda à estabilidade, tanto financeira como familiar. Muitas vezes obriga-nos a termos de aceitar trabalhos que não são tão rentáveis e nos retiram o tempo livre para ter mais “algum” que entra e ajudar a pagar as contas, não esquecendo que, por vezes, é necessário reforçar o investimento em equipamento para continuar a trabalhar.
No que toca a tours, como é para ti lidar com os quilómetros, os dias longe de casa e, por vezes, a falta de tempo a nível pessoal?
Eu sempre gostei muito de viajar e conhecer pessoas novas. Por norma, os quilómetros não me assustam, pois consigo tirar uma parte muito boa da experiência. Além disso, as bandas com quem tenho a sorte de trabalhar são também amigos e sabe sempre muito bem poder passar uns dias com eles e aproveitar para conhecer material novo, salas novas, outras bandas, e trabalhar no que gostamos. É claro que tudo isso se complicou quando tive um filho, mas, felizmente, até agora tem dado para aguentar.
Como costuma ser o feedback que recebes por parte do público que ouve um álbum/concerto em que trabalhaste? Acontece-te regularmente?
Acontece e gosto bastante quando acho que são sinceros, mesmo que não sejam os melhores comentários. No fim das contas o trabalho é feito para a banda mas, principalmente, para o público que está a assistir ao espectáculo. Logo, os espectadores têm direito a opinar.
Já aconteceu trabalhares em algo/alguém com o qual nao te identificas? Esse trabalho sai à rua e tem o teu nome associado, como lidas com isso?
Óbvio que sim, mas é trabalho na mesma. Muitas vezes há divergências de opinião entre as partes, mas, desde que o cliente fique contente, para mim está perfeito. Lido bem com isso pois considero esta profissão uma profissão como outra qualquer: em todos os trabalhos também nos pode calhar fazer coisas com as quais não nos identificamos tanto. Há outras vezes em deixamos de ter a mesma opinião e, um trabalho que, na altura em que o desenvolvemos, nos parecia bem, uns anos depois, já não.
E o contrário? Existe algo que oiças e que te deixe especialmente orgulhoso?
Tenho vários trabalhos dos quais me orgulho muito. Dar aulas é um deles, mas também tenho discos que “saíram a ferros” e que, depois de acabados, me deram muito gozo.
O que te continua a desafiar na música?
O facto de todos os dias podermos fazer coisas diferentes é bem desafiante. O facto de teres projectos novos bastante interessantes onde te apetece investir, estar sempre a sonhar com um bom resultado e ter sempre esperança de que, um dia, as coisas vão mudar para muito melhor.
Falando da tua partilha de conhecimento, como encaras a tua experiência de formador?
Confesso que, ao início, não achei grande piada, mas depois fui conhecendo os alunos, a forma de funcionarem e fui adorando. É altamente desafiante o facto de ter questões que tenho de ir pesquisar para tentar dar respostas. Ver aqueles que foram meus alunos a serem bem sucedidos e a conseguirem realizar os seus sonhos e objetivos torna-se bastante gratificante.
Sobre projetos futuros, existe algum que nos possas revelar? (Estás a trabalhar algum projeto ou ideia que possa vir a surgir em breve?)
Tenho sempre uma série de coisas que estou de momento a fazer e que apetecia acabar já amanhã, mas, na maioria dos casos, não depende só de mim. Actualmente, estou a terminar alguns trabalhos que espero que sejam muito bem sucedidos.
A todos aqueles que se deixaram apaixonar pelo som e pelo áudio, qual o teu principal conselho para que possam ocupar um lugar neste meio?
Principalmente que não desistam e que acreditem que um dia a coisa vai acontecer. Às vezes apetece desistir, mas a verdade é que, se se mantiverem firmes, a recompensa chegará.
Praticar é uma das coisas mais importantes nesta área; o facto de não ter medo de errar também tem de estar sempre presente. O aspeto da pesquisa constante por técnicas novas e ferramentas novas pode ajudar a melhorar os nossos trabalhos. Acima de tudo, consumir muita música, mas mesmo muita música!